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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O Paradoxo da Roda



Este é um problema que conheci a pouco, a despeito de sua antiguidade. Na verdade, o filósofo grego Aristóteles teria observado este fenômeno lá pelo século IV A.C.

Aristóteles descreveu este fenômeno como o "Paradoxo da Roda".

O que Aristóteles observou, e já lá se vão mais de 2400 anos, é realmente intrigante. Suponha, leitor amigo, que uma roda gira sobre uma superfície qualquer. Por exemplo, a roda de um carro rodando sobre o asfalto de uma estrada. Consideremos que a roda descreveu uma volta completa (rotação) sobre si mesma. Assim, a distância total percorrida pela roda é exatamente igual ao seu perímetro (ou o aro do pneu).

O que Aristóteles observou foi que se houver uma roda interna (como por exemplo uma calota), ela necessariamente percorrerá a mesma distância que a roda externa, já que ambas estão viajando juntas. Mas ao mesmo tempo Aristóteles via, estupefato, que elas não poderiam percorrer a mesma distância, já que ambas descrevem uma rotação completa, sendo seus tamanhos são diferentes. Isto forçaria as rodas a percorrerem distâncias diferentes.

Um problema e tanto para o Filósofo.

Assim, ao mesmo tempo em que elas precisam percorrer a mesma distância, pois estão rotacionando juntas, elas precisam percorrer distâncias diferentes, pois o diâmetro de uma é menor do que o da outra.

A figura abaixo dá uma ideia do problema.




Observe que intrigante, caro leitor. Note que temos uma roda, de raio igual a OP, que gira sobre uma superfície descrevendo uma rotação completa. Assim, quando ela termina esta rotação, ela percorre exatamente o seu próprio perímetro (que é igual a .2πOP).

Mas a roda de raio OQ também faz uma rotação completa, logo também deveria percorrer exatamente seu perímetro (que é igual a .2πOQ).
E isto, caro Leitor, levou Aristóteles a queimar as pestanas. O grego fervia a cabeça: é evidente que são circunferências de tamanhos diferentes. Logo, seus perímetros são necessariamente diferentes. Mas, ao mesmo tempo, a distância que ambas percorrem durante sua rotação é rigorosamente a mesma. Logo, precisam ser iguais.

Buscando um pouco de auxílio na Matemática, temos que o perímetro de uma circunferência é dado por 2πR (onde R é o raio da circunferência). Assim, a distância total percorrida pela roda deve ser de 2πOP, (OP é o raio da roda) quando consideramos a rotação da roda externa. Mas, ao mesmo tempo, esta distância deve ser de 2πOQ, considerando a roda interna. Como OPOQ,  (na verdade OP > OQ), temos que os perímetros não são iguais, logo as rotações não são iguais. Mas como se trata da rotação da mesma roda, eles precisam ser iguais.

Leitor amigo, sei bem que este problema é interessante, e é verdade que ele está solucionado nas linhas que seguem. Mas faço um reiterado convite a doar alguns minutos de seu tempo e deixar-se divagar um pouco, como fez Aristóteles, com este intrigante paradoxo.

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Além de mim, e de você, caro Leitor, Galileu Galilei, entre os séculos XVI e XVII também se debruçou sobre o problema. Galileu conjecturava, filosoficamente, que poderia haver na matéria, mesmo de extensão limitada, um número infinitamente grande de "vazios".

Observando o fenômeno sob esta ótica dos "vazios entre a matéria", o Gênio percebeu uma coisa interessante: existe uma “derrapada” dos pontos internos quando se faz a revolução de uma figura geométrica.

Deixando de lado nossa modéstia, caro leitor, ouso a convidá-lo a repetir o experimento mental de Galileu. Vamos? Pois então veja você: imagine um polígono qualquer ao invés de um círculo. Por exemplo, um hexágono. Considere um hexágono externo e um hexágono interno, como na figura abaixo.



Observe que estamos tomando dois vértices, um (o ponto P) no hexágono externo, e outro (o ponto Q) no hexágono interno.

Agora, caro leitor, suponha que estamos observando este nosso hexágono iniciar uma revolução. Algum tempo depois, nosso hexágono está um pouco diferente, pois já se inclinou alguns graus para a direita. Agora podemos observar os vértices P' e Q', que são os mesmos vértices P e Q originais, agora modificados pelo movimento de rotação do hexágono.


Observe que coisa Galileu conseguiu ver:  enquanto o vértice P não se move em relação à superfície hipotética (P e P' são o mesmo ponto), o vértice interno Q sofre um “deslize” de um certo tamanho λ para a direita (Q' e Q são pontos diferentes).

É fácil imaginar, caro leitor, que este fenômeno ocorre com todos os vértices à medida em que o hexágono descreve sua revolução.

O que Galileu observou, e nós agora podemos observar também, é que apenas os pontos na superfície externa do hexágono descrevem a revolução completa. Os demais são “deslizados” em direção à rotação, deixando "vazios" atrás de si.

Como você mesmo pode verificar, Leitor, este mesmo fenômeno ocorre com qualquer polígono que tomemos. Assim, se consideramos que um círculo é um polígono com infinitos vértices, temos que qualquer um de seus pontos internos também serão "deslizados" enquanto a circunferência descreve sua rotação.

Galileu havia matado a charada. Não havia paradoxo nenhum.

Mas o estudo do Cálculo também permite que observemos o fenômeno e o expliquemos. Podemos fazer isso estudando a cicloide. Chama-se cicloide a curva definida por um ponto de uma circunferência que rola sem deslizar sobre uma reta.

Observe, caro leitor, que a cicloide é precisamente a curva que estamos estudando desde o início do texto: a linha descrita por um ponto na superfície de uma roda durante a sua rotação. Veja na imagem animada abaixo como é descrita uma cicloide.




Apesar de sua apresentação sofisticada, a equação que descreve uma cicloide em função do ponto t (o centro móvel da circunferência) é surpreendentemente simples.

x = r∙(t - sen t)
y = r∙(t - cos t)

onde r é o raio da circunferência.

É importante observar algumas propriedades da cicloide: primeiro, que ela necessariamente desenha arcos de altura igual a duas vezes o raio da roda, já que o ponto vai do chão até a altura dela (que é o dobro do raio); segundo, que a largura de cada arco é igual ao perímetro da roda, já que o ponto vai percorrer a distância exata da circunferência considerada. Assim, cada arco da cicloide tem altura igual a 2r e largura igual a 2πr.

É aí que se explica o fenômeno. No nosso exemplo, os pontos externos, que descrevem uma ciclóide, desenham arcos de largura igual a 2πOP e altura igual a 2OP, já que OP é o raio da circunferência que estamos considerando.

Mas ao mesmo tempo, qualquer ponto interno que for tomado na verdade não descreverá uma cicloide. Se duvida, basta tomar o nosso caso, Leitor, e ver. Quando observamos o ponto Q, ele descreverá arcos de largura igual a 2πOP, mas a altura será menor, de 2OQ. Uma figura que definitivamente não é uma cicloide, o que demonstra que o ponto não percorreu exatamente a revolução da roda. Ele "deslizou".

Esta curva, bem como qualquer outra descrita por pontos internos de uma circunferência em rotação, é chamada de cicloide encurtada.





Analogamente, podemos considerar a ciclóide alongada, quando domamos um ponto externo ao círculo. O paradoxo, e as explicações, seriam basicamente os mesmos.

Assim, amigo Leitor, o paradoxo que Aristóteles encontrou na verdade simplesmente não existe. Mas não deixa de ser encantador e intrigante. Tanto que foram necessários anos de observação, mais alguns artiufícios de Cálculo, para demonstrar isso.

7 comentários:

  1. Professor, tem um trecho do texto que acredito que esteja errado, tá assim:
    "segundo, que a largura de cada arco é igual ao diâmetro da roda, já que o ponto vai percorrer a distância exata do diâmetro considerado".
    Em seguida o texto 'conserta' a idéia, se contradizendo, então, rss:
    "largura igual a 2∙π∙r".
    Curti muito a postagem.

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  2. Amigo excelente este post, porém entendo que o paradoxo não foi solucionado, apenas reduzido a uma situação prática. Se entender que a circunferência é um poligono de infinitos vértices sempre vai existir um ponto do circulo interno que vai tocar a reta sem que haja a derrapagem. A questão é parecida com o problema: qual a distancia entre o Rio de Janeiro e Salvador seguindo o contorno do litoral? Resposta: depende do tamanho da régua utilizada para medir...

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  3. Parece ser uma daquelas coisas que é porque é. Afinal o ponto imaginário do vértice (centro) da circunferência não tem curva nenhuma. Sendo assim ele se arrasta por todo o caminho do perímetro. Acredito que prove que o movimento não existe, considerando sua relatividade ao observador

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