É interessante observar como a maré da política muda o pensamento dos governos e das oposições.
Pois quando a CPMF foi proposta pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a oposição de então, liderada pelo PT, atacou duramente o imposto. Que acabou sendo aprovado pois seria a "salvação da saúde pública".
Não foi, como se viu.
Depois, quando o governo já era do PT, e cabia ao PSDB a oposição, as preferências rapidamente mudaram de lado. O imposto (ou contribuição, a depender do contexto jurídico observado) acabou sendo derrubado no senado, indiferente ao esperneio do presidente Lula.
Agora fala-se na volta da CPMF. E fica fácil adivinhar as posições de cada um: naturalmente a oposição será contra e o governo será favorável. Hoje, o primeiro papel cabe ao PSDB e o segundo ao PT. Mas amanhã eles trocam fácil. Basta as contigências do jogo mudarem.
Pessoalmente tenho ouvido e lido muita coisa sobre a CPMF. A única crítica que meu pobre e limitado cérebro conseguiu entender foi a de que o dinheiro não estaria sendo usado na saúde. Ou então que os governos (PSDB e depois PT) teriam aproveitado a CPMF para subtrair outros recursos tradicionalmente voltados para a saúde, o que acabou anulando o benefício que seria obtido.
Isso eu consigo entender. De fato, sendo verdade essa alegação, e parece mesmo que é, que sejam cobrados os governos. E que seja direcionada, a CPMF, para o fim a que originalmente se destina, e que a justifica plenamente.
A outra crítica é a respeito do impacto na economia. Mas eu ainda não consegui ver isso. Falam que o imposto incide "em cascata", e que acaba "comprometendo a competitividade em todas as áreas" em função do impacto sobre os preços.
Pelo que entendi, o problema é que há aplicação do imposto em todos os níveis da produção. Assim, se um agricultor vende sua produção de feijão a um comerciante, ele deve recolher a CPMF. E, naturalmente, repassá-la para o preço de venda de seu produto. O comerciante, depois, deve igualmente recolher sua CPMF para fazer o transporte. E depois para revender aos supermercados. Que recolherão outra CPMF ao entregar as mercadorias aos clientes. Esta lista de pessoas envolvidas no processo de produção e venda do feijão é a tal "cadeia produtiva". Neste pequeno exemplo, a cadeia teria 5 integrantes.
Ora. Supondo, para simplificar com um exemplo prático, que o único imposto que exista seja a CPMF. E assumindo também a alíquita de 0,38% que era praticada até a extinção do imposto. Supondo, também, que um quilo de feijão seja vendido, pelo agricultor, por 1 real. Com a CPMF ele terá que repassar o feijão por 1 real e 38 décimos de centavo ao comerciante. Este, por sua vez, poria mais 0,38% nesse valor, elevando o aumento para 0,007614 de real (menos de um centavo). Depois que todos os integrantes da cadeia produtiva tenham repassado o custo da CPMF para o produto, o quilo de feijão estaria em 1,01914495 reais (menos de 2 centavos de aumento).
Não consigo entender onde fica um impacto tão grande assim. Principamente se, em troca, houver uma melhoria substancial na saúde pública.
Pensando matematicamente, se a cadeia produtiva é formada por N integrantes, então o aumento total do preço é o resultado de N multiplicações de 1,0038 por 1,0038. Ou 1,0038 elevado a N.
Assim, se a cadeia produtiva de nosso exemplo fosse formada, numa situação absolutamente irreal, por 20 integrantes, ainda assim o quilo de feijão não passaria de 1,079 reais.
Menos de 8 centavos de aumento.
Assim, ao passo em que me alio aos que denunciam o mau uso e o desvio do dinheiro da CPMF, não consigo entender a alegada nocividade financeira deste imposto sobre a produção.
Por outro lado, consigo ver fácil algumas coisas. Por exemplo, um cidadão que ganhe 600 reais pagará, ao sacar todo o seu salário no banco, um total de 2,28 reais de CPMF. De outro lado, um investidor que movimente 1 milhão de reais em especulação financeira terá que pagar 3.800 reais de CPMF.
Acho que isso incomoda. Principalmente porque não é este investidor que usufruirá dos benefícios do imposto.
Outra coisa que dá para ver fácil é a facilidade com que, via CPMF, os auditores fiscais do governo podem rastrear a movimentação financeira de muitas empresas, surpreendendo-os (se for o caso) em tentativas de sonegação fiscal.
Acho que isso incomoda também. Por motivos óbvios.
E é só. Outra explicação não encontro. Efetivamente deve haver algo que eu não sei. Ou que minha inteligência limitada não foi capaz de perceber. Pois só isso explica a oposição visceral que faz o PSDB hoje, como fez o PT ontem, contra a CPMF.
Ou isso, ou então trata-se de puro fisiologismo político mesmo.