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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

TI e Bombons: porque pagar mais.


Há alguns anos se ouve reclamações dos profissionais da área de TI, a respeito das remunerações que lhes são oferecidas. Esta reclamação pode facilmente ser constatada nos anúncios de oferta de emprego e nas realidades salariais relatadas pelos profissionais do setor.
Profissional de TI: muito trabalho, muitas responsabilidades e remuneração baixa
Este sofrimento não discrimina ninguém: desenvolvedores, analistas de sistemas, analistas de suporte, administradores de redes e de bancos de dados. Todos padecem do mesmo problema: paga-se pouco e exige-se muito.

A pergunta que se posa é: porque está assim?


Não é fácil responder a isto sem um estudo detalhado dos vários aspectos sócio-econômicos envolvidos na questão da empregabilidade na área de TI. De fato, muitas teses poderiam ser levantadas em diversas áreas de conhecimento, e ainda assim muito debate restaria ao final. Não é uma pergunta fácil.

Mas algumas hipóteses podem ser levantadas, e razoavelmente suportadas por fatos e circunstâncias.

A disseminação do uso de computadores e de sistemas computacionais forçou à proliferação de profissionais que trabalham com essas máquinas. Com efeito, à medida em que computadores se tornavam cada vez mais populares, multiplicavam-se na mesma proporção os cursos técnicos e superiores que em tese capacitariam profissionais para fazer dessas máquinas alguma coisa útil às pessoas e às organizações. Depois veio a Internet, os Lap Tops, os Smartphones. Esta bola de neve apenas aumentou: mais máquinas, mais sistemas, mais conectividade. Logo, mais necessidade de profissionais, e portanto mais cursos, com mais gente sendo “graduada” para atender toda essa demanda.

Infelizmente, nem sempre são profissionais com a qualificação necessária e desejável.

Do ponto de vista do empresário, porém, isto não é simples de perceber. O “computeiro” que ele contrata é indistinguível, a princípio, dos outros. O mercado de profissionais de TI acaba se parecendo com um mercado de.. bombons.

Não há sentido se pagar mais caro por um certo tipo de bombom já que todos são exatamente uma mera mistura de farinha, açúcar, anilina e conservantes. A lógica do empregador é exatamente essa. Não é fácil distinguir um bombom especial no mercado de TI. E sendo assim, não há sentido em pagar mais por ele.

Mas o que seria, afinal, um bombom diferenciado neste mundo? Poderíamos falar em conhecimento técnico, em atualização, em inteligência, em iniciativa. Todas essas palavras são tão verdadeiras quanto enfadonhamente repetidas nos cursos técnicos e superiores da área.

Por conseguinte, talvez devamos fazer esta reflexão do ponto de vista do empregador: o que o faria perceber um computeiro diferenciado?

Naturalmente vai depender do que ele está “comprando”. Senão vejamos: alguém que desenvolva programas bons, que não falhem e que tenham grande aplicabilidade (o que certamente implicará em integração, robustez e conectividade com sistemas  legados e externos), mas que ao mesmo tempo os desenvolva rápido, respeitando prazos e orçamentos. Pode caber ao “computeiro” garantir a eficácia, a segurança e a agilidade dos processos da própria organização, com o apoio de ferramentas computacionais. Quiçá caberá ao profissional de TI a salvaguarda de dados, cruciais para o funcionamento e a tomada de decisão das empresas. É o computeiro, com seu trabalho de suporte ou administração, que garante o funcionamento de praticamente todos os processos das organizações modernas. Quando os sistemas falham, tudo o mais falha junto. É o pior pesadelo de qualquer empresa hoje em dia. E, mesmo nestes casos de desastres, é o computeiro quem deve ser o ator principal nos processos de restauração e superação de dados e sistemas, garantindo que a organização possa retomar suas atividades com o mínimo de perda de tempo e recursos.

Uma tarefa que não tem preço. É como o oxigênio para os seres humanos. Qualquer empregador está disposto a pagar caro por isso.

Não obstante, a constatação do primeiro parágrafo permanece: paga-se pouco e mal aos profissionais de TI. Como explicar esse paradoxo?

É que o empregador não percebe que há profissionais diferenciados. Nem sempre é fácil para ele ver que, entre o enorme rol de computeiros ávidos por alguma oportunidade profissional, há joio e há trigo. Mesmo que ele eventualmente saiba disso, ocorre que não é fácil separá-los. Como todos parecem indistintamente ser exatamente a mesma coisa, não há sentido em pagar mais por nenhum deles.

Em condições tais que o empregador perceba que está adquirindo um profissional diferenciado, normalmente a remuneração também é. Há exemplos concretos tanto na esfera do serviço público quanto na iniciativa privada. O empregador não é estúpido. Sabe o valor estratégico de profissionais assim e aceita pagar caro por isso.

Mas para o computeiro, mesmo aqueles diferenciados, nem sempre é simples mostrar suas qualidades. Basta ver como é o mercado. Tipicamente alguém anuncia indistintamente a intenção de contratar. Como de seu ponto de vista a seleção de um profissional de TI é como estar de frente para uma bomboniere onde todos são virtualmente iguais, ele naturalmente vai tentar pagar o mínimo possível. O empregador não tem como medir a qualidade do profissional, e o profissional não tem como mostrá-la.

Esta cruel realidade, que mistura os bons com os medíocres, pode se mostrar uma armadilha ainda mais dura, a que todos os profissionais de TI se arriscam em cair: desmotivados, mesmo os mais capacitados muitas vezes tendem a ceder à tentação de atuar no mesmo nível que a média de seus pares e, assim, reforçar ainda mais a percepção de que os bombons são todos iguais.

Um perigoso e cruel ciclo se fecha assim: paga-se mal porque não se encontra qualidade, não há qualidade porque se paga mal.

A cereja do bolo é que, a princípio, é muito difícil para o profissional de TI mostrar que ele possui qualidades que o diferenciam da “vala comum” em que se transformou o Mercado. Um bom diploma, cursos complementares, certificações, pós-graduação, Mestrado, Doutorado. Experiências anteriores, atividades e projetos desenvolvidos. Tudo isso fornece indícios, mas nenhuma garantia de se tratar de um profissional destacado, de um computeiro que realmente faça a diferença dentro das empresas. O empregador muitas vezes nem sabe porque isso é importante.

Para o computeiro, então, é necessário tempo, paciência e, infelizmente, alguma sorte.

Tempo porque é necessário que ele faça efetivamente a diferença dentro da organização e para isso há que haver a oportunidade de ele mostrar seu potencial: um projeto complexo, uma situação de emergência, uma boa prática de governança de TI. Enfim, a chance de ele mostrar que as coisas saíram melhor porque era ele, e não um outro qualquer, quem estava ali. Algo que faça a diferença para o empregador.

Paciência porque, dadas as condições atuais do mercado, muitas vezes é necessário se sujeitar às condições atuais e aguardar pela oportunidade certa para mostrar seu valor. Há que permanecer atento e extremamente preparado, pois quando o cenário favorável acontecer é imperativo se dar conta dele com toda a competência.

Sorte. Com as turbulências típicas da economia e dos governos, o esperado é que as empresas encontrem dificuldades frequentes, que podem ser superadas com ações efetivas na área de TI. Aí residem as oportunidades. Mas, infelizmente, pode ser o caso de nunca haver a chance de se mostrar as próprias qualidades e assim sair da vala comum.

Se os empregadores começarem a se deparar com mais frequência com profissionais capazes de mostrar que são dotados de qualidades diferenciadas, que fazem a diferença para seu próprio negócio, então eles mesmos mudarão seu jeito de olhar para este mercado. Ao invés de bombons indistintos, buscarão qualidade. Perceberão que um quadro é apenas uma tela e tinta sobre ela. Mas um Picasso não é qualquer quadro.

Conselho e água, já dizia a minha avó, só se dá a quem pede. Eu sempre considerei isso um conselho, e portanto a contradição de Vovó em suas próprias palavras. Ela dava conselhos a quem não pedia, e eu às vezes faço isso também. Aos profissionais de TI, atuais e futuros, acho que aconselharia isto: manter-se diferenciado. O computeiro precisa decidir ser muito bom no que faz. Muito melhor do que o restante do Mercado. Isso é uma tarefa difícil, que toma muito esforço nos estudos, e mais esforço ainda em atividades para se manter atualizado. Mas fazendo isso ele se mantém pronto para, eventualmente, mostrar isso aos olhos certos. Uma vez superada esta barreira, ele poderá iniciar uma caminhada diferente, distanciando-se dos “comuns”. Quanto mais profissionais conseguirem mostrar-se diferenciados, mais isto saltará aos olhos de quem os emprega, o que os fará ver que vale à pena pagar mais aos que valem mais.

Há uns bombons melhores que outros.

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