Por que a polícia não havia previsto as recentes manifestações de rua?
Mauricio Dias - Carta Capital
Original aqui.
Apesar de pequenas gafes e deslizes do policiamento encarregado de protegê-lo no Brasil, o papa Francisco saiu ileso. Nem sempre os erros são pequenos assim. Normalmente são graves e repetitivos, com mortos e feridos, como tem ocorrido nas manifestações de rua, nos últimos dois meses, em várias cidades do País.
Os equívocos são muitos e começam de um ponto banal, como aponta o professor Jorge da Silva. “A polícia brasileira, em geral, confunde as atividades de investigação com as de inteligência. A investigação, como é sabido, visa elucidar os fatos a posteriori e apontar culpados. A inteligência é o armazenamento de informações gerais que circulam na sociedade e no cruzamento e análise dessas informações, com a finalidade de prever acontecimentos futuros”, esclarece o professor, que é doutor em Ciências Sociais e ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
“No início, as autoridades demonstraram total desconhecimento do que viria à frente. Minimizaram as manifestações e rotularam os manifestantes de baderneiros e vândalos”, diz .
Manifestações pareciam mero "vandalismo"até ganhar corpo e consistência |
“Por que as polícias teriam se surpreendido pela ação de grupos ideológicos anarquistas que agiram conforme anunciaram em rede? Como não sabiam? E como não tinham uma estratégia específica para enfrentá-los?”, pergunta Jorge da Silva, surpreso com a surpresa dos serviços de inteligência sobre a existência do movimento anarquista.
“Desconhecem que grupos ideológicos como o Black Bloc, com simpatizantes também no Brasil, agem de forma idêntica, roupa preta, capuzes, máscaras, com a estratégia de infiltrar-se em manifestações e protestos para praticar atos de vandalismo e destruição?”
Ele não consegue evitar o tom de ironia ao falar do “serviço de inteligência” que havia detectado a infiltração de traficantes e milicianos nas manifestações. “Estranha conclusão. O objetivo de traficantes e milicianos é financeiro, é dinheiro. O dos anarquistas é outro. É ideológico, contra as estruturas. A não ser que traficantes e milicianos tenham aderido ao objetivo dos anarquistas de mudar a sociedade.”
No Rio, as hipóteses se misturam aos boatos. Um deles é o de que o vandalismo seria uma orquestração contra o governo com o propósito de desestabilizá-lo.
Para Jorge da Silva há uma perigosa inversão do papel da polícia, ocorrida principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, onde, “em vez de as polícias serem acionadas para garantir as manifestações e proteger os manifestantes, o foram para reprimi-los com rigor. Deu no que deu”.
Qual seria a forma adequada de ação das polícias? “Parece-me fácil concluir o que se deve fazer. Esse assunto não se resolverá apenas com a força, como sempre foi a tônica na nossa história. Não dá mais.”
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