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quinta-feira, 5 de março de 2015

De pernas para o ar, Brasília assusta o Brasil


Ricardo Kotsho
Original aqui.

Em qualquer situação, ao fazer nossas escolhas, começamos sempre com 50% de chances de acertar e 50% de errar. É da natureza humana. Depende das opções que adotamos. Foge a esta regra o que acontece com o governo Dilma-2: desde a sua posse para o segundo mandato, isolada e autossuficiente, a presidente tem conseguido errar 100%.



Na montagem do ministério, no lançamento do pacote fiscal, na sua relação com os partidos da base aliada e com o Congresso Nacional, Dilma não acerta uma, não dá uma bola dentro. Conseguiu, em apenas dois meses, montar uma sólida unanimidade _ contra ela e seu governo.

O tsunami político-jurídico que virou a capital do País de pernas para o ar nesta terça-feira, com a entrega da aguardada lista do Janot ao STF, deixou escancaradas as fragilidades das nossas instituições, a ausência de lideranças confiáveis e as relações cada vez mais esgarçadas entre os três poderes. A cada dia mais, Brasília assusta o Brasil. Ninguém confia em mais ninguém e não há chances de melhorar.

Estamos todos navegando em mar revolto numa noite escura, sem termos a menor ideia de para onde estão nos levando. Quem disser que sabe o que vai acontecer nas próximas 48 horas ou no mês que vem está chutando, mentindo ou apenas torcendo.

Na verdade, ninguém tem condições de saber, nem a presidente Dilma, nem o taxista que me trouxe para casa já tarde da noite e que, depois de ouvir o noticiário no rádio, me perguntou: E agora, doutor, o que vai acontecer? "Sabe o que eu acho? No fim, não vai acontecer nada, eles sempre acabam se entendendo...", respondeu ele para si mesmo, entregue ao desencanto após uma longa jornada ao volante.

Eu só sei que, aconteça o que acontecer, mesmo que por absurdo seja nada, não seremos mais os mesmos, não dá mais para ir empurrando com a barriga, fazer de conta que política é assim mesmo, não tem mais jeito.

Tem, sim. É só dar logo nomes aos bois, acabar com os vazamentos seletivos, apontar e provar a culpa de cada um, esquecer a eterna farsa da conciliação pelo alto, desmontar o picadeiro da demagogia e lancetar este tumor que nos corrói o corpo e a alma.

De quê, afinal, Renan Calheiros e Eduardo Cunha são acusados? E baseados em que eles logo culparam a presidente Dilma por seus nomes terem aparecido na lista, mesmo que o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal, até este momento, nove da manhã de quarta-feira, ainda não tenham confirmado nada oficialmente?

Ninguém aguenta mais tanta hipocrisia e falta de caráter, em nome da governabilidade que não temos, da estabilidade econômica que derrete e da falsa cordialidade transformada em crescente intolerância.

Vamos encarar a realidade: 30 anos após a redemocratização do País, o nosso sistema político-partidário-eleitoral está falido. Assim não há democracia que sobreviva com um mínimo de dignidade.

Só para dar um exemplo: até hoje não temos o Orçamento da União para 2015, que deveria ter sido aprovado até o dia 22 de dezembro do ano passado. E o que faz o governo que, teoricamente, tem maioria nas duas Casas do Congresso? Ao mesmo tempo em que anuncia um rigoroso ajuste fiscal para equilibrar as contas, estuda a liberação de uma cota individual de R$ 10 milhões para as emendas parlamentares dos deputados novatos, que representam 45% da Câmara.

Sabem quanto vai nos custar isso? Mais algo em torno de  R$2,5 bilhões. Perdemos completamente a noção de valores _ tanto financeiros como éticos. Após um ano de investigações da operação Lava-Jato, que resultaram na bomba atômica da lista do Janot, apurou-se que o esquema envolvendo políticos, doleiros, empreiteiras e funcionários da Petrobras desviou no total ao menos R$ 2,1 bilhões da estatal. Ou seja, menos do que o governo federal pretende dar aos deputados novatos, sem falar que os reeleitos já tinham garantido uma verba de R$ 16 milhões para cada um.

Criou-se um abismo entre o país real e o país oficial, entre governantes e governados. As antigas lideranças já não têm mais nada de novo a dizer e não surgiram no lugar delas novas referências em nenhum setor da vida nacional. Estamos, literalmente, no mato sem cachorro.

Os partidos políticos, todos eles, que não param de se multiplicar, nada mais representam; o movimento social se amancebou com o poder, o poder já nada pode. A política se judicializou e o Judiciário se partidarizou. E a imprensa do pensamento único, que já foi o quarto poder, só pensa em assumir o papel de primeiro e único, e ocupar o espaço dos outros três.

Enquanto o Brasil oficial discutia o destino e as vinganças de Renan Calheiros e Eduardo Cunha contra o governo Dilma, e tentava descobrir quem são os outros 52 da lista do Janot, o Brasil real chorava a morte de José Rico, o cantor José Alves dos Santos, da célebre dupla sertaneja Milionário e Zé Rico.

Como dizem os versos da bela canção Estrada Vida imortalizada pela dupla, que ouvi milhares de garimpeiros cantando numa festa de sábado em Serra Pelada, no sul do Pará, no começo dos anos 1980, e nunca mais esqueci:



Nesta longa estrada da vida

Vou correndo e não posso parar

Na esperança de ser campeão

Alcançando o primeiro lugar



Pois é, apesar de tudo, não podemos parar.

Vida que segue, agora sem nosso ídolo Zé Rico.

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