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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Renda e desigualdades

Delfim Netto

Original aqui.

Nunca houve “milagre brasileiro”. Essa é uma expressão inventada pela oposição, que não acreditava e continua não acreditando no Brasil. O que aconteceu nos períodos de maior crescimento do século XX foi que os brasileiros tinham confiança nos governos e trabalharam duramente para conseguir uma melhora importante no desenvolvimento econômico. A distribuição de renda não melhorou, mas todos aumentaram os rendimentos, uns mais do que outros.

Esses são exatamente aqueles que tinham sido privilegiados com educação superior e que foram beneficiados com uma demanda que cresceu enormemente no processo de desenvolvimento. No início da segunda metade do século passado, existia um “exército industrial de reserva” enchendo o primeiro decil (os 10% mais pobres), enquanto era muito restrito o número de pessoas no décimo decil (os 10% mais ricos). Nos sete anos (1967/1974) em que a taxa de crescimento do PIB, acima de 10% ao ano, estimulou a história do “milagre”, houve uma ampliação da distância entre o rendimento das pessoas com os melhores níveis de escolaridade e as mais pobres que não tinham tido os benefícios da educação universitária.

É preciso não esquecer que a economia brasileira teve um desenvolvimento importante, iniciando em 1950 e crescendo a 7,5% ao ano durante 32 anos seguidos, com períodos variáveis de pequenas melhorias dos índices de desigualdade entre as pessoas, mas principalmente entre as regiões. Tudo isso deve ser considerado fruto de um “milagre”, efeito sem causa, ou é mais razoável reconhecer que foi produto do trabalho duro, árduo, dos brasileiros?

Distribuição de renda não é sinônimo de felicidade. Distribuição de renda também não é sinônimo de bem-estar. Pode haver o crescimento de todos e, desde que os benefícios sejam proporcionais, já se teria a mesma distribuição de renda. Naquele período chamado de “milagre”, o exército de reserva que estava desempregado passou a ter oportunidade de trabalhar. Foram criados 15 milhões de novos empregos, parte deles ocupados inclusive pelos privilegiados que tinham feito a universidade e cuja demanda era muito mais alta. O crescimento dos salários era diferente e, portanto, a distância entre as pessoas aumentou. Isso não significa que a insatisfação no último decil tenha aumentado ou que os trabalhadores mais pobres tenham sido prejudicados.

Os que tinham bons salários melhoraram depressa. Exatamente a situação oposta que está sendo corrigida hoje, quando não se tem mais aquele exército de reserva e se fez uma política aumentando a correção do salário mínimo. O crescimento hoje da renda dos grupos mais pobres é maior do que a dos demais, o que dá o conforto de que está diminuindo a distância que separa o rendimento das pessoas. O índice de distribuição de renda é medida de distância entre as pessoas, não é medida de bem-estar. Acontecendo um aumento de distância, as pessoas sentem-se um pouco pior do que sentiriam se a distância estivesse diminuindo.

Quando se comparam as políticas atuais com as que se praticavam nas décadas de 60 e 70 do século XX no Brasil, vê-se que não há nenhuma relação entre o mundo atual e o mundo de 1969, por exemplo. Naquela época, a própria política econômica era totalmente diferente e não somente entre nós, mas na grande maioria dos países, incluindo os mais desenvolvidos. Era comum o recurso a políticas de renda que recomendavam o combate à inflação mediante o controle de preços e da renda dos salários.

Prevalecia um keynesianismo de “pé quebrado” que estava sendo usado nos Estados Unidos, na Europa inteira e em todos os países emergentes, em apoio a políticas que depois se provaram muito ruins. O que se pode comparar entre essas épocas, então, é o seguinte: no Brasil trabalhava-se muito mais e com melhor orientação do que atualmente, e é por isso que as taxas de crescimento são diferentes.

De forma que não se pode atribuir o desenvolvimento brasileiro a nenhum “milagre”. O que houve foi muito mais trabalho do que hoje.

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