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domingo, 6 de fevereiro de 2011

A Música Burra da Bahia

Hoje li uma reportagem no jornal ATARDE (aqui) que falava sobre as músicas baianas, agora que estamos a poucas semanas do carnaval. A reportagem dá conta de que “nos últimos anos, as letras, principalmente as de pagode, ficaram mais sexualizadas. ‘O que explica isso é a ditadura do sucesso. Podemos dizer que o axé é para dançar e o pagode é para esculhambar. O problema é que ele entrou num excesso, estão repetindo muito a forma’, diz Luís Caldas”. De fato, parece que a versão picante da música precisa estar em forte evidência hoje em dia. Não é mais um duplo sentido. Muitas vezes é um único sentido mesmo. O que não é ruim, a princípio. desde que o texto seja tratado com inteligência e bom gosto.

Moramos, mui felizmente, num estado que possui uma identidade cultural muito forte. Talvez ímpar em todo o país. Há uma grande percepção de “estar na Bahia” que nos cerca. O jeito colorido e despojado das pessoas se vestirem, o aroma dos quitutes das baianas e seus tabuleiros, o sotaque, as expressões, a religiosidade. É uma espécie de atmosfera baiana. Única e facilmente identificável.

Alguns anos atrás incluiria nesta atmosfera a música. O gingado, o ritmo, a alegria dos forrós, frevos, reggaes, sambas. E, claro, as letras. Incluindo seu duplo sentido e seu erotismo, evidentemente.

Pessoalmente não vejo problema nenhum com letras de duplo sentido. Nem mesmo com letras de sentido único. Pode ser engraçado, bonito, erótico, ou simplesmente agradável de ouvir e/ou dançar. Alguns ouvidos podem se incomodar com letras de duplo sentido, ou de sentido único. Os meus não. Nem mesmo letras eróticas ou meramente pornográficas me incomodam a princípio.

Entretanto, meus ouvidos se recusam a gostar do verso fácil, produzido a toque de caixa, com rimas pobres, forçadas ou mesmo inexistentes.

Ocorre que o sucesso alcançado pela música baiana nos anos 80 gerou uma grande indústria fonográfica que movimenta valores cada vez mais altos. Esta indústria, porém, precisa de matéria-prima para mover suas engrenagens. Música. A partir deste insumo movem-se as rádios com seus jabás, os blocos e suas cordas, as vendas de CD e DVD. Esta indústria da fonografia baiana precisa sempre de novas bandas, novas músicas, novas coreografias. Tudo isso em escala industrial, a fim de mover toda a sua engenharia.

Infelizmente não se produz música plantando, ou numa linha de produção. Pelo menos não se produz boa música assim. Isto posto, o resultado dessa demanda é a queda da qualidade.

Nada contra o duplo sentido. Mas este precisa ser construído com inteligência. O que atrai não é o sentido picante, é a descoberta deste sentido, inicialmente oculto atrás de uma letra mais inocente. É o humor, verdadeira "ginástica do cérebro" segundo Juca Chaves. Lembro de Luís Caldas cantando “Lá vem o Guarda, Guarda / Lá vem o Tira, Tira meu bem”. Depois que percebemos o duplo sentido, sorrimos. É agradável. Não é uma apelação evidente, frente a qual somos convidados a abandonar as faculdades cerebrais como em “Toma Negona, na boca e na Bochecha”.

Por outro lado, pode-se simplesmente abrir mão do duplo sentido. A letra pode ser simplesmente erótica, com sexualidade evidente. Pode ter palavrões, falar de sexo, de cópula, de órgãos sexuais. Isso não faz a letra ser ruim. Carlos Drummond de Andrade e Mário Quintana nos dão alguns exemplos (aqui e aqui). É fácil ver a beleza no texto de Drummond e o humor requintado no texto de Quintana. Nada a ver com o apelo simplório e imediato dos pagodes baianos de hoje.

A música baiana está sofrendo. Mas não é culpa do erotismo, ou da sexualidade. O problema é com o verso simplório, sem criatividade. É a letra que não apela ao pensamento, que pretende ser engraçada ou erótica, mas é apenas tola. Um tipo de besteirol musical. Eu, pessoalmente, passo. Não me agrada. Não é nada contra o erotismo, a sexualidade, mesmo o palavrão. É contra a burrice.

E, infelizmente, a música da Bahia está ficando burra.

4 comentários:

  1. Carácoles Degas! detonaste a música de te estado!

    Té +

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  2. Músiuca prá adestrar macaco. No blog do gusmão tem um video muito legal.

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  3. Que tal relembrar o Vinícius, "com aquele velho calção de banho":



    Passar uma tARDE em Itapuã
    Ao sol que ARDE em Itapuã
    Ouvindo o mAR DE Itapuã
    FalAR DE amor em Itapuã

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  4. Coloquei o link do seu Blog em "O Aríete".

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