Em linhas gerais trata-se de um problema eminentemente ético. Há
duas grandes correntes que defendem o direito da mãe ou o direito do embrião.
Os primeiros argumentam que a mãe precisa ter o direito de decidir sobre si e
sobre seu corpo. Assim, nada pode obrigá-la a prosseguir com uma gravidez que
ela não deseja, já que é sobre o corpo dela que recairá todo o processo. Já o
segundo grupo argumenta que, sendo um ser humano - e este ponto é em si uma
polêmica discutida abaixo - o embrião precisa efetivamente ter o direito
inalienável à vida.
Aí está o complicador: atender a um dos
pleitos necessariamente impõe que se negue o outro. Não há meios termos.
Caso o embrião seja efetivamente
considerado um ser humano, então do ponto de vista da ética a decisão é fácil:
a preservação de uma vida se impõe a qualquer outro direito que não ponha em
risco outra vida.
Só que decidir isso, que o embrião é um
ser humano, não é tarefa fácil. Como tampouco é fácil se decidir o contrário.
O argumento a favor da humanidade do
embrião se baseia em três fatos científicos. Em primeiro lugar, trata-se de um
ser vivo. Em segundo lugar, trata-se, histologicamente, de tecidos humanos. E
em terceiro lugar, ele é geneticamente diferente do Pai e da Mãe, logo um
terceiro ser.
Tomando-se por base este raciocínio, o
embrião, sendo humano, vivo, e individualizado - não é parte do Pai nem da Mãe
- deve ser considerado um ser humano, pelo menos potencialmente, desde o
momento da fecundação. E assim deve ser preservado.
Mas não é tão simples assim.
Paradoxalmente há um outro ponto de vista que se baseia numa discussão mais
complexa do ponto de vista científico e filosófico. Não se discute que o
embrião é humano, mas pode-se discutir se ele é um ser vivo.
A questão é onde começa e termina a vida.
Até a idade Média, e mesmo em muitas culturas contemporâneas, entendia-se que
os bebês começavam a viver no momento em que estavam aptos para respirar. Da
maneira análoga, e muito coerente, entendia-se que quando o indivíduo parava de
respirar, também vivo deixava de ser.
Com a evolução científica e tecnológica, as
pesquisas em Ciências
Médicas acabaram derrubando estas e muitas outras hipóteses
sobre a definição de morte.
Quando um ser humano morre, na verdade a
maior parte das células de seu corpo permanecem vivas. Algumas por um bom
tempo, como os tecidos epiteliais. Não fosse assim os transplantes seriam
impossíveis.
Logo, a presença de células vivas no corpo de uma pessoa não é
suficiente para se determinar que ele esteja viva. Com efeito, para a Medicina,
é a supressão das atividades cerebrais que determina a Morte.
Desta forma, caso se deseje pensar com
coerência sobre o início da vida, não é suficiente haver tecido humano vivo
para garanti-la. Pelo melhor entendimento científico, só estará vivo aquele que
apresentar alguma atividade cerebral. Se a presença de células humanas vivas
pode ocorrer depois da Vida, é lógico aceitar que também é possível antes dela.
E segundo esta linha de pensamento, o
direito ao Aborto deveria ser garantido a qualquer mulher. Mas com um
importantíssimo adendo: ela só poderá gozar deste direito até o momento em que
o sistema nervoso esteja formado. A partir de então se torna difícil advogar
que ainda não há um ser humano vivo em seu ventre.
Mesmo assim ainda há detalhes importantes
sobre os quais não há consenso. O principal deles vem do fato de que a formação
embrionária do sistema nervoso não é instantânea. Tipicamente os tecidos
nervosos começam a se formar logo na 3a semana de gestação, sendo
que o córtex cerebral só está plenamente estabelecido lá pela 26a
semana de gestação.
A parte mais difícil desta polêmica é que
não há nenhuma autoridade que possa dar uma palavra final a este respeito. A
Ciência é clara quando versa sobre a formação e evolução do embrião, bem como
sobre o conceito de Morte que é aceito pela Medicina. Mas calada permanecerá
sobre a validade ética de se autorizar ou negar o direito ao Aborto. Não há
como decidir cientificamente por uma linha de pensamento ou outra.
Assim, é intensa a disputa entre duas
correntes que, em última análise, se baseiam em concepções distintas sobre o
que é um ser humano vivo.
Disputa que reflete nas culturas, nas
legislações e nos valores das pessoas. E como nem sempre uma ou outra corrente
consegue se impor totalmente, algumas situações interessantes são criadas.
No Brasil, por exemplo a Lei permite o
aborto em caso de má formação cefálica, risco para a mãe ou gestação decorrente
de crime (estupro ou concepção não autorizada). Em todos os outros casos o
aborto é negado.
É uma lei que não adere totalmente a
nenhuma das duas correntes; nega a tese do surgimento do Ser Humano no momento da concepção porque, segundo
esta tese, nem mesmo os embriões resultantes de ações criminosas perdem seu direito à vida. Da mesma forma os embriões com má formação cefálica. Isso
tudo ainda ignorando o fato de que muitos contraceptivos vendidos livremente no
Brasil atuam impedindo a fixação de um óvulo já fecundado. Também não adere à
tese da vida a partir da formação do sistema nervoso, posto que mesmo antes de
qualquer resquício deste o aborto já é proibido.
Esta incoerência é fruto das disputas,
sendo partes da Lei resultante de vitórias de uma das teses, e outras partes
resultantes das vitórias da outra. Não obstante, esta incoerência enfraquece a
aplicação da lei em si. Há
um consenso geral de que ela precisa ser atualizada.
A questão é se ela vai para a Direita ou
para a Esquerda.
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