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quinta-feira, 6 de junho de 2013

Aborto

Há poucos temas que tão agilmente levantam polêmicas, sempre tão profundas. Ser contra ou ser a favor do aborto é realmente uma causa apaixonante pois, para os dois lados, estão em jogo valores muito preciosos: a Vida, a Liberdade, a Integridade, a Saúde.



Em linhas gerais trata-se de um problema eminentemente ético. Há duas grandes correntes que defendem o direito da mãe ou o direito do embrião. Os primeiros argumentam que a mãe precisa ter o direito de decidir sobre si e sobre seu corpo. Assim, nada pode obrigá-la a prosseguir com uma gravidez que ela não deseja, já que é sobre o corpo dela que recairá todo o processo. Já o segundo grupo argumenta que, sendo um ser humano - e este ponto é em si uma polêmica discutida abaixo - o embrião precisa efetivamente ter o direito inalienável à vida.

Aí está o complicador: atender a um dos pleitos necessariamente impõe que se negue o outro. Não há meios termos.

Caso o embrião seja efetivamente considerado um ser humano, então do ponto de vista da ética a decisão é fácil: a preservação de uma vida se impõe a qualquer outro direito que não ponha em risco outra vida.

Só que decidir isso, que o embrião é um ser humano, não é tarefa fácil. Como tampouco é fácil se decidir o contrário.

O argumento a favor da humanidade do embrião se baseia em três fatos científicos. Em primeiro lugar, trata-se de um ser vivo. Em segundo lugar, trata-se, histologicamente, de tecidos humanos. E em terceiro lugar, ele é geneticamente diferente do Pai e da Mãe, logo um terceiro ser.

Tomando-se por base este raciocínio, o embrião, sendo humano, vivo, e individualizado - não é parte do Pai nem da Mãe - deve ser considerado um ser humano, pelo menos potencialmente, desde o momento da fecundação. E assim deve ser preservado.

Mas não é tão simples assim. Paradoxalmente há um outro ponto de vista que se baseia numa discussão mais complexa do ponto de vista científico e filosófico. Não se discute que o embrião é humano, mas pode-se discutir se ele é um ser vivo. 

A questão é onde começa e termina a vida. Até a idade Média, e mesmo em muitas culturas contemporâneas, entendia-se que os bebês começavam a viver no momento em que estavam aptos para respirar. Da maneira análoga, e muito coerente, entendia-se que quando o indivíduo parava de respirar, também vivo deixava de ser.

Com a evolução científica e tecnológica, as pesquisas em Ciências Médicas acabaram derrubando estas e muitas outras hipóteses sobre a definição de morte. 

Quando um ser humano morre, na verdade a maior parte das células de seu corpo permanecem vivas. Algumas por um bom tempo, como os tecidos epiteliais. Não fosse assim os transplantes seriam impossíveis.

Logo, a presença de células vivas no corpo de uma pessoa não é suficiente para se determinar que ele esteja viva. Com efeito, para a Medicina, é a supressão das atividades cerebrais que determina a Morte.

Desta forma, caso se deseje pensar com coerência sobre o início da vida, não é suficiente haver tecido humano vivo para garanti-la. Pelo melhor entendimento científico, só estará vivo aquele que apresentar alguma atividade cerebral. Se a presença de células humanas vivas pode ocorrer depois da Vida, é lógico aceitar que também é possível antes dela.

E segundo esta linha de pensamento, o direito ao Aborto deveria ser garantido a qualquer mulher. Mas com um importantíssimo adendo: ela só poderá gozar deste direito até o momento em que o sistema nervoso esteja formado. A partir de então se torna difícil advogar que ainda não há um ser humano vivo em seu ventre.

Mesmo assim ainda há detalhes importantes sobre os quais não há consenso. O principal deles vem do fato de que a formação embrionária do sistema nervoso não é instantânea. Tipicamente os tecidos nervosos começam a se formar logo na 3a semana de gestação, sendo que o córtex cerebral só está plenamente estabelecido lá pela 26a semana de gestação.

A parte mais difícil desta polêmica é que não há nenhuma autoridade que possa dar uma palavra final a este respeito. A Ciência é clara quando versa sobre a formação e evolução do embrião, bem como sobre o conceito de Morte que é aceito pela Medicina. Mas calada permanecerá sobre a validade ética de se autorizar ou negar o direito ao Aborto. Não há como decidir cientificamente por uma linha de pensamento ou outra.

Assim, é intensa a disputa entre duas correntes que, em última análise, se baseiam em concepções distintas sobre o que é um ser humano vivo. 

Disputa que reflete nas culturas, nas legislações e nos valores das pessoas. E como nem sempre uma ou outra corrente consegue se impor totalmente, algumas situações interessantes são criadas.

No Brasil, por exemplo a Lei permite o aborto em caso de má formação cefálica, risco para a mãe ou gestação decorrente de crime (estupro ou concepção não autorizada). Em todos os outros casos o aborto é negado.

É uma lei que não adere totalmente a nenhuma das duas correntes; nega a tese do surgimento do Ser Humano no momento da concepção porque, segundo esta tese, nem mesmo os embriões resultantes de ações criminosas perdem seu direito à vida. Da mesma forma os embriões com má formação cefálica. Isso tudo ainda ignorando o fato de que muitos contraceptivos vendidos livremente no Brasil atuam impedindo a fixação de um óvulo já fecundado. Também não adere à tese da vida a partir da formação do sistema nervoso, posto que mesmo antes de qualquer resquício deste o aborto já é proibido.

Esta incoerência é fruto das disputas, sendo partes da Lei resultante de vitórias de uma das teses, e outras partes resultantes das vitórias da outra. Não obstante, esta incoerência enfraquece a aplicação da lei em si. Há um consenso geral de que ela precisa ser atualizada.

A questão é se ela vai para a Direita ou para a Esquerda.



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