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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A Bomba H da Melhor Coréia é uma ameaça para o mundo?

Por Carlos Cardoso
Original aqui.

Ontem sismógrafos detectaram um tremor de 5,1 localizado na Melhor Coréia, na região onde eles realizam testes nucleares subterrâneos. A confirmação veio em um anúncio em rede nacional na TV de lá, teria sido detonado com sucesso o primeiro dispositivo termonuclear norte-coreano. A internet, como sempre, entrou em desespero. Gente honestamente em pânico achava que o mundo ia acabar, que iriam atacar os EUA, que os EUA iriam atacar a Coréia, que havia pânico em Seul, blá blá blá.


Mais uma vez a memória de peixinho dourado da internet é a principal fonte de pânico. Ninguém lembra que reagiu da mesma forma com a bomba de 2013, com a de 2009 e com a de 2006. Ninguém lembra que ter uma bomba é legal mas se você não tiver como levar até o alvo, ela é um belo objeto decorativo e nada mais.

A Coréia do Norte é um país esquizofrênico que existe por causa da China, que a usa como uma espécie de gaxeta separando sua fronteira da Coréia do Sul. Desde a guerra, que durou três anos e terminou em 1953 o governo mantém o povo em uma paranóia de invasão iminente, juram que os EUA estão às portas. TODOS os problemas do país, que são muitos são atribuídos aos imperialistas americanos invasores.

Depois de mais de 50 anos, as pessoas acreditam legitimamente nisso, e tratam seus líderes como figuras religiosas. Coisa que a propaganda oficial confirma. Kim Jong-Il não fazia cocô, quando ele morreu animais nas ruas choraram, e em 2000 ele inventou… o hambúrguer.

Vamos aos fatos: a Melhor Coréia vem desenvolvendo um programa nuclear faz tempo, é o sonho de qualquer pequeno ditador. Eles acham que se possuírem armas nucleares entrarão para um clube exclusivo, ganharão respeito e reconhecimento, figurarão entre as grandes nações do planeta. É uma ilusão tão forte que eles se esquecem que o Paquistão possui armas nucleares e no máximo é lembrado como país que serviu de esconderijo ao Osama.

Eles tiveram (quase) sucesso em 2006, com uma detonação de aproximadamente 1 quiloton. Quase, pois o consenso é que a bomba deu chabu, 1.000 toneladas de TNT é muito baixo para uma bomba nuclear de verdade. Trinity, o primeiro teste nuclear da história, em 16/7/1945 produziu uma explosão de 18 quilotons. Só uma detonação parcial produziria 1/18 disso.

Em 2009 conseguiram 4 quilotons, e em 2013 7 kt. Valores muito baixos, mostrando que estão com dificuldades de replicar a tecnologia de 1945. e esse é o grande problema. Construir uma arma nuclear é um feito de engenharia, não de ciência. A física envolvida é simples, complicado são os cálculos e a precisão necessária para aproveitar o material. Na bomba de Hiroshima só 1,38% do urânio foi convertido no equivalente a 15 mil toneladas de TNT da explosão. A Melhor Coréia parece estar longe desses números.

Vejam a análise sísmica do evento:

Registros sísmicos de explosões nucleares na Coreia do Norte
Em preto a detonação de 2006, em azul a de 2009, em amarelo a de 2013 e em vermelho a de 2016 (está 15 no gráfico, desconsidere).

2013 e 2016 são quase idênticas. SE a de ontem foi uma detonação termonuclear, eles andaram pra trás em termos de potência. A primeira bomba de hidrogênio, criada pelos americanos e chamada Goerge foi detonada em 1951 e produziu 225 kt. Em 1952 construiram um bicho chamado Ivy Mike que detonou com energia equivalente a 10,4 milhões de toneladas de TNT. Eis o bicho, antes (d’oh) da explosão:



A bomba é o equipamento na esquerda, o resto só dispositivos de medição para avaliar a detonação. O sujeito despreocupado sabe que se ela detonar sem-querer será vaporizado tão rápido que não haverá tempo dos sinais dos nervos chegarem até o cérebro. Isso mesmo, crianças, bomba atômica não dói.

A hipótese corrente é que a Melhor Coréia esteja blefando, e não disponha da expertise para desenvolver um artefato termonuclear, mas nem por isso o resto do mundo está satisfeito. Não temos uma corrida armamentista nuclear hoje não por causa de dificuldade técnica, mas de diplomacia. O tratado de não-proliferação de armas nucleares conseguiu fazer com que elas não se proliferassem, o que é incomum em termos de sucesso diplomático. Mesmo o Irã abriu mão de seu programa nuclear secreto, em troca de fim de sanções e apoio financeiro e técnico russo.

Quem mais está feliz (fora o Grande Líder) é a Coréia do Sul. O governo de lá, que não é exatamente santo adora a existência do espantalho do Norte, o usam para justificar atitudes políticas incompatíveis com estados democráticos, como prender jornalistas, criminalizar protestos, regular sindicatos e obrigar escolas a usar livros didáticos sancionados pelo governo. A população mesmo está se lixando pras bravatas norte-coreanas. Eles sabem que a chance de um ataque é zero, ou menor que isso.

Kim Jong Un também sabe, por isso se dá ao luxo de ameaçar os EUA dizendo que Washington será afogada em um oceano de fogo. É só um cachorro latindo muito por trás de um portão gradeado e um muro muito alto. Ao realizar testes como o de ontem os objetivos são dois:

1 — Ser reconhecido como igual pelas potências nucleares.

Vejamos. Quantas bombas eles têm mesmo? (ignorando potência, disponibilidade de meios de lançamento, etc)



Não vai acontecer. A Melhor Coréia vai continuar sendo um país especial mas muito amado, que poderá fazer o que quiser quando crescer, e os outros países só caçoam dela por inveja.

2 — Ganhar biscoitos

Aí é mais provável. A Melhor Coréia sofre com subnutrição, a população vem por décadas sendo alimentada abaixo do mínimo recomendado e, para piorar, a política de distribuição privilegia as forças armadas. A quantidade de comida recebida varia de acordo com a sua lealdade política (fonte: a ONU). Em 2015 a ONU pediu US$ 111 milhões para ajuda emergencial para aliviar a fome dos norte-coreanos. Em 2013 foram US$ 300 milhões. O Grande Líder detesta pedir, então ele exige. Se em troca de uma moratória nuclear ele receber “tributos” na forma de alimentos (de preferência queijo) o orgulho nacional está mantido.

Em 2009, após o teste nuclear a Coréia do Sul propôs um encontro de cúpula. A Melhor Coréia disse que aceitaria, em troca de US$ 10 bilhões em dinheiro e 500 mil toneladas de alimento. Não colou, mas outras vezes funcionou. Pode ser que agora em 2016 seja um ano de sorte, e eles consigam uns trocados.

Fora isso, não vão fazer nada. Eles são malucos mas não são doidos, e a maior e quase única fonte de renda da Melhor Coréia é a Zona Industrial de Kaesong, repleta de fábricas de empresas do Sul. São 53 mil norte-coreanos recebendo anualmente um total de US$ 90 milhões em salários, que vão direto para o bolso do governo. Quanto cada um recebe realmente? quá quá quá. Uma guerra significaria o fim dessa renda.

Ah sim, outro detalhe que passa ao largo dos desesperados de internet: a Melhor Coréia mesmo que tenha a maior bomba do mundo, não tem como lançar. O programa de mísseis deles está longe de ser bem-sucedido o suficiente, miniaturizar uma arma termonuclear não é tarefa fácil, e de qualquer jeito ela lançaria um, dois mísseis contra os EUA? Com que objetivo, ser polpificada com bombardeios convencionais (para não irritar a China) até o país se tornar a maior pilha de cascalho da História?

Conclusão: muito provavelmente a Melhor Coréia não tem ainda uma bomba de Hidrogênio. Está capitalizando em cima da mídia irracional, que por sua vez adora essas pautas apocalípticas. a CNN está alardeando com “especialistas” que as bombas de hidrogênio são “mil vezes mais potentes” que as bombas de fissão, o que é verdade, mas o que foi demonstrado não foi nem de longe perto disso. Equivale ao Brasil ter um porta-aviões (no momento parado e sem aviões) e por isso ser colocado na mesma categoria que os EUA e sua frota de 10 Classes Nimitz nucleares.

Kim Jong-Un continua sendo ameaça apenas para seu povo, o único inimigo que o governo norte-coreano realmente teme.

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