Luis Nassif
Original aqui.
Há ainda muita fumaça em torno da compra da refinaria Pasadena pela Petrobras. Juntando algumas peças dá para entender melhor o caso. O ponto central é a cláusula Marlim, pela qual a Pasadena teria que garantir 6,9% de rentabilidade mínima a um dos sócios - o grupo Astra - independentemente dos resultados.
De 1998 a 2005 o mercado interno de combustíveis permaneceu estagnado.
A produção interna crescia pouco e havia a expectativa de aumento da participação do petróleo pesado na produção total. Esse petróleo exigia a adequação de refinarias existentes.
Por outro lado, desde 1995 os Estados Unidos vinham aumentando a importação de petróleo pesado. Os preços do petróleo cresciam menos do que o dos combustíveis, aumentando substancialmente a rentabilidade das refinarias norte-americanas.
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Nos Estados Unidos, as margens das refinarias de oleo pesado saltaram de 4,7% em 2000 para 14,4% em 2005; para as de óleo leve, o salto foi de 0,6% para 4,3%, provocados pelo aumento de consumo, pela fato dos derivados subirem mais do que o petroleo, sendo que o petroleo bruto subia menos ainda.
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Até 2005, o preço das refinarias negociadas mal chegava aos US$ 3 mil por barril. Em 2006, a economia mundial entrou na corrida especulativa que contaminou todos os mercados, especialmente os de commodities. Havia farta liquidez nos bancos, financiamento ilimitado a custos baratos.
Naquele ano de 2006, a Petrobras adquiriu a refinaria Pasadena por US$ 7.200 o barril processado.
No total, foram quatro refinarias adquiridas naquele ano nos Estados Unidos, respectivamente por US$ 6.470, US$ 13.801, US$ 13.913 e US$ 15.515 o barril.
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Nesse sentido, a compra da Pasadena, do grupo belga Astra, foi a um preço bastante competitivo para aquele ano fatídico de 2006.
O plano de negócios conjunto previa a possibilidade de investimentos para dobrar o processamento de oleo pesado.
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A partir de 2007, tudo começa a mudar. No Brasil, há as descobertas das enormes jazidas do pré-sal, a maioria constituída de óleo leve. O consumo de petroleo nos Estados Unidos cai de um pico de 20,8 milhões de barris dia em 2005 para 18,6 milhões em 2012. O preço do petróleo passa a aumentar mais do que o de derivados. No golfo do México, as margens de refino despencaram de 4,3% em 2005, 3,9ˆ% em 2006 e 4,1% em 2007 para taxas negativas entre 2008 e 2010.
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Em 2008 começaram as divergências entre a Petrobras e a Astra em relação aos investimentos previstos.
A Astra entrou com ação judicial para exercer seu direito de vender 50% da refinaria para o outro sócio.
A Petrobras requereu o direito de arbitragem (isto é, de um árbitro escolhido antecipadamente em comum acordo pelos dois sócios) que fixa o preço em uma parcela de US$ 296 milhões pela refinaria e duas de US$ 85 milhões, pelo estoque de petroleo existente.
Prosseguem várias ações. Em 2012 há um acordo extrajudicial para encerrar as disputas. Por ele, a Petrobras se propõe a pagar US$ 820,5 milhões, incluindo aí os estoques de petroleo e custas judiciais.
O valor pago pela refinaria foi de US$ 196 milhões pelos primeiros 50% e US$ 292 milhões pelos 50% restantes, em um total de US$ 492 milhões, ou US$ 4.920 o barril.
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Até agora, o ponto obscuro era sobre os tais erros cometidos, que fizeram a Petrobras perder a disputa com a Astra. A presidente falou em duas cláusulas cuja existência teria sido sonegada do Conselho de Administração: a “put option” e a Marlim.
A primeira define regras para um acionista adquirir a parte do outro. Trata-se de cláusula comum em processos de fusão e/ou incorporação com dois ou mais sócios fortes.
Consiste no seguinte:
1. O sócio A oferece sua parte ao sócio B por determinado valor.
2. O sócio B não tem o direito de recusar. Mas tem a opção de comprar a parte do sócio A pelo mesmo valor que lhe foi oferecido.
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O grande problema surgiu do casamento dessa cláusula com a cláusula Marlin – pelo qual ficava assegurada à Astra 6,9% de rentabilidade, indepentemente do resultado da refinaria.
Embora não mencione a cláusula, os números que constam do trabalho apresentado pelo ex-presidente da Petrobras José Gabrielli na audiência pública do Congresso permitem juntar as peças e entender o imbróglio.
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Quando a Petrobras entrou na sociedade, a rentabilidade das refinarias que processavam oleo pesado estava em 14,4%. Pela cláusula Marlim, garantia-se aos belgas 6,9% - o que parecia razoável no quadro da época. Com a crise de 2008, as refinarias passam a ter margem negativa.
Segundo as lâminas apresentadas por Gabrielli, em 2008 a refinaria deve ter faturado US$ 2,6 bilhões.
Se a rentabilidade era negativa, teve prejuízo. Mas, pela cláusula Marlim, teria que pagar US$ 89,7 milhões à Astra.
Supondo uma rentabilidade negativa de 0,3%, o quadro ficou assim:
1. A Pasadena teve um prejuízo de US$ 7,8 milhões.
2. Com a obrigatoriedade de pagar 6,9% de rentabilidade à Astra, o prejuízo aumentou mais US$ 89,7 milhões. No total, US$ 97,5 milhões de prejuízo.
3. Como a Astra recebeu os US$ 89,7 milhões, o prejuízo ficou todo por conta da Petrobras.
É por aí que se entende a armadilha do contrato. Com a rentabilidade da refinaria quase a zero – por conta da crise internacional – não havia o menor interesse da Astra em investir. Para quê um investimento maciço, para elevar a rentabilidade para, digamos, 5% se, sem investimento alguma, ela já tinha 6,9% assegurados?
Se a Petrobras fosse vender sua metade, o valor seria irrisório, devido à rentabilidade negativa; mas a metade da Astra, por conta da garantia de rentabilidade mínima, continuou elevado.
Com a perspectiva de rentabilidade de 14,9% ao ano, a Marlim parecia uma cláusula inócua. Depois da maior crise global desde 1929, tornou-se uma faca no pescoço. O acordo afinal acertado até foi módico, pelo preço efetivo que a Astra poderia pleitear, por conta do fluxo assegurado de dividendos.
Mesmo sem a expectativa de um crise próxima, teria que ser levada a conhecimento do Conselho. E certamente não passaria por seu crivo.
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