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sábado, 24 de maio de 2014

Paradoxos sociais nas pesquisas de opinião


Rodrigo Medeiros

Original aqui.

A mais recente pesquisa de opinião do Ibope sobre as eleições de outubro próximo mostrou algo que entendo ser merecedor de comentários e reflexões. Destacarei dois quadros da pesquisa e buscarei reproduzir, em certa medida, a tese que venho defendendo depois de junho passado.

Segundo o Ibope, 80% dos brasileiros estão satisfeitos com a vida que levam. No entanto, o desejo de mudança atinge 65% das expectativas sociais para o próximo período presidencial. Desde junho passado, venho frisando que as reconhecidas melhorias nas vidas das pessoas elevaram as expectativas das mesmas. Nesse contexto de desejo de mudança, a observação de Lenin parece se encaixar muito bem: os governados não poderiam continuar sob um governo à moda antiga e os governantes não poderiam continuar governando como antes (Harriet Swain [org.], “Grandes questões da história”. José Olympio, 2010). Ainda que 57% tenham declarado ao Ibope pouco ou nenhum interesse nas eleições de outubro atualmente, o sentimento difuso de mudança persiste.

De acordo com o Datafolha, “nada divide tanto os brasileiros como a concepção do papel que o Estado deve ter em suas vidas. Os resultados mostram que o brasileiro médio preza valores comportamentais de direita, mas manifesta acentuadas tendências de esquerda no campo econômico” (Folha de S.Paulo, 08/12/2013). Nesse sentido, pode-se dizer que gravitamos ao redor do centro, entre o socialismo liberal (centro-esquerda) e o liberalismo social (centro-direita). Esse movimento centrista está em sintonia com o fato de que a nossa sociedade se tornou mais complexa.

Portanto, dificilmente se convencerá por muito tempo a maior parte das pessoas com soluções simplórias e redentoras. Vivemos em um contexto mais globalizado, complexo, fluido e incerto, exigindo recorrentemente uma maior capacidade de realização (eficácia com responsividade) da parte da administração pública. O aprendizado do que vem ocorrendo no campo da gestão pública no Brasil e em outros países deve ser permanente entre nós.

A desburocratização, em diversos aspectos públicos e privados, segundo apontam importantes relatórios (Doing Business e Global Competitiveness Report, por exemplo), é um imperativo institucional para que possamos ser mais competitivos e, portanto, desenvolvidos. Precisamos encarar o caminho político das reformas institucionais progressistas, reduzindo o peso da tradição patrimonialista. Problemas de corrupção devem ser resolvidos com transparência e maior agilidade dos órgãos de controle.

Há também nesse contexto de “paradoxos” um balanço da sociedade entre a carga tributária e os serviços públicos. Um debate de difícil compreensão diz respeito aos orçamentos públicos. O livro “O orçamento dos brasileiros” (FGV Projetos, 2014), de Rezende e Cunha, merece ser apreciado pelos interessados no assunto. Trata-se de texto gratuito e disponível na internet.

Destaco do livro: “O orçamento público é muito importante para ser ignorado. Ele repercute no cotidiano dos cidadãos, afeta o comportamento da inflação, é fundamental para proporcionar iguais oportunidades de ascensão social para uma parcela expressiva da população e para melhorar as condições necessárias ao desenvolvimento do país. Em suma, precisa ser conhecido e respeitado” (p.7). Estudantes dos cursos de administração, economia ou engenharia de produção compreendem bem que a produtividade marginal do trabalho não é automaticamente crescente e, ainda que o seja para certas atividades, em algum ponto ela decresce com o aumento dos custos marginais. Deve-se considerar sempre o fator “gestão” na organização eficiente dos serviços e gastos públicos. A discussão em questão precisa ser qualificadamente feita para que ganhem corpo e coerência as políticas públicas ao longo do tempo.

Os “paradoxos” expostos pelo Ibope entre a satisfação da maioria com a vida e o desejo de mudança demandam novos esforços intelectuais e políticos para o necessário desenvolvimento institucional brasileiro. Talvez este seja um esforço mais fácil para o campo das ideias do que para a arena política, pois nesta há grandes interesses permanentemente em jogo e a crise da representação está bem aberta desde junho passado entre nós.

Rodrigo Medeiros é professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo)

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