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Mais de seis décadas após perder a Copa em casa, o Brasil tem, pela primeira vez, a oportunidade de curar o trauma nacional causado pela derrota para o Uruguai dentro do Maracanã.
O episódio, que ficou imortalizado pelo termo cunhado pelos próprios uruguaios, Maracanazo, foi a maior tragédia da história do futebol brasileiro e marcou para sempre a vida dos jogadores da seleção de 1950.
Durante os treinos da seleção na semana passada, na Granja Comary, um dos assuntos mais recorrentes eram o fantasma da Copa de 50 e a expectativa dos jogadores de poder enterrá-lo de uma vez por todas.
O capitão Thiago Silva reconheceu em entrevista a jornalistas que a seleção sabe da "pressão" para ganhar o título em 2014. Carlos Alberto Parreira, coordenador técnico da seleção, disse que a derrota para os uruguaios está "entalada na garganta".
Mas será que uma eventual derrota brasileira na final desta Copa poderia causar o mesmo trauma de 50?
Gol de Gigia: derrtta traumática |
Amadurecimento
Tim Vickery, especialista da BBC em futebol da América do Sul, acha que a nação lidaria muito melhor com a derrota porque "amadureceu".
Ele aponta que "as batalhas" da sociedade brasileira não são mais travadas dentro de campo, como aconteceu em 50.
"Aquele time representava muito mais do que futebol porque simbolizava tudo o que a sociedade da época aspirava alcançar".
"Hoje o debate sobre que tipo de país é o Brasil acontece fora dos estádios, nas ruas, com os protestos que pedem melhoria dos serviços públicos. Isto é muito positivo, porque demonstra como o país amadureceu nesses 64 anos".
O jornalista Juca Kfouri concorda. Para ele, é inegável que um revés da seleção em casa seria muito triste e doloroso, mas não seria traumatizante como a primeira vez.
Primeiramente porque, desde 1950, o Brasil ganhou cinco campeonatos e, segundo, porque hoje o país vive uma fase político-social diferente.
"Em 1950, não era só um jogo de futebol. Era um momento decisivo de afirmação nacional. Era para ser o início de uma nova era em que o mundo veria o Brasil moderno. Mas a gente perdeu".
"Para os brasileiros a derrota se traduziu no sentimento de que 'não somos bons em nada na vida', porque ao ser incapaz de vencer uma Copa no Brasil, em uma partida em que precisavam só do empate, o impacto causado foi: nós não servimos para nada".
'País do futuro'
Destruídos pela Segunda Guerra Mundial, nenhum país europeu tinha condição de abrigar a primeira Copa do pós-guerra. O Brasil foi candidato único à sede do Mundial de 1950.
Desde a década de 40, o Brasil vinha sendo visto como "o país do futuro" e buscava se destacar no cenário internacional. Em 1950, o país recebe a Copa e anuncia ao mundo que o "futuro é agora".
Em pouco mais de dois anos as autoridades brasileiras construíram o Maracanã, estádio com capacidade para 200 mil pessoas e que durante décadas foi o maior do mundo.
Parte da era de ouro da arquitetura brasileira, que dez anos depois culminaria com a construção de Brasília, o Maracanã revelou o espírito ousado do brasileiro e é futurístico com sua forma semelhante à de uma nave espacial.
Após passar com facilidade pelo México, Suécia e Espanha, a seleção chega à final contra o Uruguai, no dia 16 de julho, precisando apenas do empate.
Friaça abre o placar para o Brasil no segundo tempo. Aos 22 minutos, Schiaffino empata, mas a Copa ainda é nossa. Treze minutos depois, o ponta Ghiggia calou o país: Uruguai 2 a 1.
Naquele dia fatídico, o Maracanã reunia quase 200 mil pessoas. Ao final da partida, tudo o que se ouviu foram soluços.
Bife e alface
O goleiro Barbosa foi acusado de falhar no segundo gol da Celeste Olímpica e se tornou o grande bode expiatório do fracasso.
Em entrevista à BBC anos depois, ele relembrou o assédio que a seleção sofreu no dia do jogo.
"Para vocês terem uma ideia, no dia do jogo sentamos para almoçar e eu consegui comer um pedaço de bife e um alface".
"Vieram seis ou sete políticos, inclusive Ademar de Barros, que era candidato à Presidência. A coisa ficou tão ruim que quando o Flávio (Costa, técnico) viu que a gente não ia conseguir comer, nos colocou no ônibus e fomos para o Maracanã comer sanduíche".
Na manhã do jogo, os jogadores, que haviam sido transferidos da calma concentração de São Conrado, na Zona Sul, para a movimentada sede do Vasco da Gama, em São Januário, foram acordados para participar de uma missa às 7h.
Poucas horas depois, o prefeito do Rio de Janeiro Mendes de Morais faz um discurso se referindo aos jogadores como "campeões".
Apesar de cenário semelhante parecer improvável nos dias de hoje, é inegável que o time atual esteja sofrendo a mesma pressão que pesou sobre Barbosa, Zizinho, Ademir e companhia.
Pé no chão
Carlos Alberto Torres, capitão da lendária seleção tricampeã de 70, recomenda cautela.
"O Brasil jogando em casa é uma faca de dois gumes. Pode até atrapalhar de tanta pressão. Sou contrário a que o Felipão e o Parreira fiquem toda hora na televisão anunciando o favoritismo do Brasil", disse em entrevista à BBC Brasil.
"Isso não é bom. É necessário que tenhamos confiança, porém muito pé no chão e respeito aos adversários", afirmou, acrescentando que o Brasil tem condições de estar entre os quatro melhores do campeonato.
Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, cedido à BBC Brasil, Ademir, artilheiro de 50 com nove gols, lembrou como o clima de "já ganhou" atrapalhou o time:
"Eu tive a maior decepção que o futebol pode dar a um atleta. Mas foi uma lição muito proveitosa, a de que no futebol não existe vitória antecipada".
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