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sábado, 2 de agosto de 2014

A Roupa Velha do Futebol do Brasil

Somente hoje, quase um mês depois (na verdade são 25 dias depois) consegui reunir um mínimo de informações e convicções para falar sobre a maior tragédia do futebol mundial desde a morte de Charles Miller. A derrocada da seleção brasileira.

Na verdade é necessário começar esclarecendo que não foi exatamente uma tragédia. Foi apenas a exposição de algo que já estava ali há muito tempo. O placar de 7 a 1 frente à Alemanha foi exatamente a criança que apontava e gritava para todos: “O Rei Está Nu”. E de fato estava. Sempre esteve. Todos se deram conta daquilo que, na verdade, se via claramente desde há muito, mas ninguém queria admitir, ou acusar.

Alemanha 7 x 1 Brasil: O Rei está Nu!
Verdade que, assim como no conto de Hans Christian Andersen, um ou outro observador mais atento acusou a nudez do Rei. Mas ficou com ela para si, envergonhado de dizer algo que soaria absolutamente estúpido,  já que todos cediam à ilusão, a visão ofuscada por títulos e conquistas ao longo de quase um século de existência.

E agora, passados 25 dias do momento em que todos vimos a nudez do futebol do Brasil, é hora de começar a costurar-lhe uma nova roupa – talvez a primeira.

Para começar é necessário aceitar dois postulados difíceis para nós, que temos tradição de vitórias, e que amamos nossas tradições.

Em primeiro lugar, o Futebol é, sim, um negócio. Sempre foi. Em tempos idos movimentava muito menos dinheiro do que hoje, mas sempre foi tangido pelas finanças que estão tradicionalmente associadas a ele. Futebol gera estádios lotados, direitos de televisão, publicidade que gera dividendos para equipes, estádios, jogadores e até treinadores. Futebol é capitalista. E é Esporte também, evidentemente. Mas é Esporte a partir de ser um negócio, e não o contrário. Aceitar isto é a primeira, a principal e, talvez, a mais dura lição para nós, brasileiros.

Postulada a primeira afirmação, vamos à segunda. Futebol é uma atividade de alto risco. Está se falando do futebol como atividade econômica. Como finanças. E, pelo postulado anterior, como Esporte também. No Futebol, fazer tudo do jeito certo só dá uma probabilidade alta, mas sem garantias, de que as coisas saiam certas. É comum, aliás, acontecer de se fazer tudo direitinho e se colher um retumbante fracasso. Aliás, um dos cernes de nossos problemas está aí: fazer tudo certo e não conquistar o resultado esperado normalmente nos faz desistir do certo. Qualquer insucesso acaba sendo motivo para se concluir, apressada e equivocadamente, que se está no caminho errado. E aí a evolução fica difícil, senão impossível.

Um corolário deste segundo postulado é que também é possível se fazer tudo errado, e ainda assim as coisas darem certo no final. O que, talvez, explique parte do sucesso do Futebol do Brasil, mas também ajude a esconder sua nudez.

Contudo, não é na nudez do Rei que devemos nos debruçar. Acho que agora todo mundo já a viu, já a conhece, ninguém a nega. Desde o quarto parágrafo ficou prometido a você, leitor, que falaríamos de como costurar a roupa do Rei.

Ocorre que os exemplos de sucesso do mundo são práticas insistentemente repetidas, que trouxeram seguidos resultados positivos. Note que elas continuaram sendo repetidas ainda que com alguns reveses intermitentes. E estas práticas se traduzem, principalmente, em dois aspectos muito importantes: democratização e mérito.

 Democratização.

A organização do Futebol Brasileiro precisa olhar para todas as suas equipes, e não apenas para as de “elite” como se faz hoje. A maior parte dos clubes do Brasil não realizam qualquer atividade ao longo de 8 meses do ano, ou mais. É simplesmente impossível se manter qualquer atividade profissional nestas condições. As equipes – todas elas – precisam jogar. E assim poder manter seus profissionais em atividade, e remunerados. Lembre-se, leitor, do primeiro postulado acima: Futebol é, antes de tudo, um negócio.

O calendário, portanto, precisa contemplar todos os times ao longo do ano inteiro. É difícil, principalmente quando consideramos o calendário dos campeonatos regionais, mas não é impossível. No Futebol Alemão, Francês, Inglês, Espanhol, Italiano, as equipes jogam o ano inteiro. E as soluções para isto são as mais criativas: há ligas nacionais de diferentes divisões, campeonatos ou copas regionais, play offs, etc.

É necessário se trazer este modelo para o Futebol do Brasil a fim de que as equipes menores possam mais que meramente sobreviver, elas que na prática existem de fato uns poucos meses por ano.

Claro que equipes melhores, que obtenham mais resultados, acabarão participando de mais torneios diferentes, resultado de seu mérito. O Mérito, aliás, é discutido abaixo, leitor. Não se apresse. Ainda falta ressaltar que, segundo esta organização, acontecerá de equipes maiores, com mais resultados, precisar ter mais jogadores em seu plantel, pois terão mais compromissos ao longo da temporada. O que é bom, pois dará mais oportunidades a mais jogadores. Um adendo a isto poderia acolher as reivindicações do Bom Senso Futebol Clube, limitando o número máximo de partidas por temporada dos jogadores, e assim garantindo que mais atletas estariam alojados nas maiores equipes.

Mérito.

O segundo aspecto que temos de trazer para o Futebol do Brasil é premiar o mérito, mais do que qualquer outra coisa. No Brasil, o que remunera as equipes, direta ou indiretamente, é a tradição e o tamanho de sua torcida. Não que essas coisas sejam pouco importantes, evidentemente.Mas não é o  bastante. E, principalmente, é nocivo.

Quando deixamos que a tradição e a torcida sejam decisivas para a recompensa das equipes, dois problemas sérios tendem a acontecer. Em primeiro lugar, equipes com alta tradição e grande torcida tendem a se acomodar, pois não necessitam se esforçar para garantir os contratos de publicidade e demais formas de remuneração. Isto subverte o caráter competitivo – essência do Esporte – e acaba por diminuir a eficiência da gestão, e a aplicação dos profissionais. O outro problema que decorre deste modelo é a corrupção. Basta observar que, independente do resultado de sua má gestão, ou mesmo de desfalques praticados contra o clube (coisas que tendem a se refletir nos resultados) esta remuneração está garantida, e permanecerá assim indefinidamente.

O modelo do Futebol do Brasil, leitor, precisa urgentemente passar a seguir estas diretrizes de democratização e mérito. Assim o Rei estará vendo, finalmente, alguma roupa costurada para si.

Contudo, é importante entender que não se pode cobrar nada imediato. O Futebol, lembre-se sempre disto, Leitor, é um negócio que não dá garantias. Dentro deste conceito, lembremos, é possível se montar belas equipes, com ótimos profissionais, dentro de um calendário inteligente e, ainda assim, não se conquistar qualquer título. Pode-se ter uma excelente estrutura de base e não se  revelar nenhum jogador de qualidade durante muito tempo. Pode-se contratar um excelente jogador que, afinal, não desempenhe minimamente como esperado. Não há certeza de nada. É típico do Futebol. E é, aliás, sua faceta mais fascinante.

Não obstante, este modelo é efetivamente competitivo, e permitirá um ambiente de extrema disputa entre jogadores, treinadores e dirigentes. Os que se destacarem, salvo reveses localizados, o farão por competência, inovação ou talento.

A verdadeira Roupa Nova do Rei.

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