Aldo Fornazieri
Original aqui.
As últimas rodadas de pesquisa mostram que Dilma ainda lidera, mas que há um risco importante à sua caminhada à reeleição. Ela entrou favorita na campanha, mas com alta rejeição, com queda na avaliação positiva do governo, com crescimento da avaliação negativa, com sério risco das curvas da avaliação positiva e negativa se cruzarem e com viés de baixa nas intenções de voto. É bem verdade que os candidatos de oposição não se moveram significativamente. Mas nas simulações de segundo turno, Dilma tem seu favoritismo cada vez mais ameaçado.
O fato é que, neste momento, existe uma indefinição do eleitorado e o quadro poderá mudar, tanto no sentido de favorecer a reeleição de Dilma, quanto para decretar-lhe a derrota. Tudo depende de como o jogo político será jogado, pois se existem razões que fazem com que o eleitor queria a mudança de governo, também existem razões para que se queira a continuidade do atual governo. É nesse cenário de ambiguidades e paradoxos conjunturais que as estratégias eleitorais terão que navegar e os candidatos terão que se bater. Dada a instabilidade da conjuntura, um erro de avaliação ou de enfoque estratégico poderá colocar tudo a perder.
Não era para ser assim. Todos os presidentes que disputaram a reeleição – Fernando Henrique e Lula – venceram. Cerca de 70% dos candidatos a governador que disputaram a reeleição em 2006 e em 2010, também foram reeleitos. Se a reeleição de Dilma corre riscos é porque ela se situa fora do parâmetro. E as razões dessa ocorrência precisam ser debatidas. Lideranças governistas e petistas estão se mostrando perplexas com a rejeição ao PT e ao governo, principalmente no estado de São Paulo. Existem vária razões que colocam em risco a reeleição da presidente. Aqui serão analisadas três (na verdade duas, nota de Degas) delas.
A Liderança Fraca de Dilma:
Dilma foi eleita em 2010 numa conjuntura que favorecia a eleição de qualquer candidato que representasse a continuidade do governo Lula, pois o eleitorado avaliava como positivo o desempenho de dois mandatos do então presidente. O que garantiu a eleição de Dilma, não foi um amplo reconhecimento de sua liderança popular, pois ela não a tinha. Foi eleita pela força de Lula e pela conjuntura de continuidade. Os governantes que são eleitos pela força das circunstâncias e pela força de outros, e não pela sua liderança própria, sempre terão dificuldades de se firmarem como líderes já que, a rigor, nunca lideraram. Normalmente, o processo de construção de uma liderança demanda tempo, dedicação e qualidades específicas. Desde o governo de prefeito Alceu Colares em Porto Alegre, passando pelo governo de Olívio Dutra no RS e chegando ao governo Lula, Dilma sempre foi um quadro interno e nunca havia disputado uma eleição.
Maquiavel sustentou teoricamente, com base em exemplos históricos, e a história posterior o confirmou, que o governante que acende ao poder, não pelo mérito próprio, mas pela força de outros ou pela sorte, tende a fracassar porque não sabe liderar. A conduta de Dilma na presidência da República mostra que ela não soube aproveitar bem o que a deusa Fortuna e a força dos outros lhe ofereceram. Um governante, um estadista, deve saber agregar, unir e conduzir. Não fará isto com atitudes mandonistas e burocráticas, mas pelo seu prestigio político e moral, pelas suas qualidades e virtudes. Dilma tratou os aliados com desprezo, ignorou os movimentos sociais, ignorou os grupos econômicos e ignorou os partidos políticos. Somente nos últimos meses está correndo atrás do prejuízo, tentando remontar diálogos aqui e ali.
O governante tecnocrata, normalmente, não domina a arte do bem dizer – a retórica. A retórica não pode ser entendida apenas como uma técnica do discurso. Ela deve ser indissociável ao conteúdo político e moral, ao domínio da eloquência enquanto capacidade de convencer o ouvinte e de fazê-lo aderir ao conteúdo e aos valores de quem discursa. Infelizmente, Dilma nunca se apresentou ao público com esse domínio da arte do bem dizer. Não convenceu. Desgraçadamente, o seu marqueteiro ainda tentou encontrar-lhe um lugar de “rainha”, numa manifestação de estupidez política que concebe o cidadão como um ser passivo, súdito do poder. Nos dois últimos anos de mandato, Dilma enfrentou desafios políticos – os protestos de rua e problemas no Congresso – e desafios econômicos, como o baixo crescimento, a inflação etc. Se é no momento da adversidade que o líder precisa mostrar sua capacidade e sua competência, Dilma não soube enfrentar adequadamente esses desafios. Se for reeleita, terá que revelar num segundo mandato a líder que não foi.
Resultados Insatisfatórios e a Corrupção:
O eleitor (o povo) avalia o governante por meio de dois metros: as qualidades do líder e os resultados que ele produz. Os resultados do atual governo também foram insatisfatórios. Tomando como parâmetro os dois mandatos do presidente Lula, o governo Dilma representou um recuo em vários indicadores: inflação, crescimento da economia, nível de geração de emprego, índice de crescimento da renda, investimento produtivo, investimento estrangeiro direto, marcas e programas inovadores de governo etc. Em julho-agosto de 2013, após uma queda brusca na avaliação de seu governo, Dilma não teve a ousadia de trocar sua equipe econômica por outra que fosse capaz de sinalizar novos rumos econômicos ao país. O que se viu de lá para cá é uma lenta e contínua deterioração do ambiente econômico.
Mas nem tudo está perdido: o nível de emprego ainda é alto e a renda ainda está crescendo, embora ambos em níveis menores. As pesquisas de opinião mostram que se há um pessimismo com a situação geral do país, quando a pergunta se dirige à situação pessoal e as perspectivas futuras, as pessoas se mostram otimistas. Este otimismo, certamente, está ligado à renda e ao emprego. Este é um ativo que pode ser trabalhado na campanha de Dilma, mas o seu sucesso vai depender da redução da velocidade da degradação dos indicadores econômicos.
A relação que o povo tem para com a corrupção é complexa e ele costuma reagir de formas diferentes em diferentes situações. Maquiavel tem uma frase lapidar acerca de como o povo se relaciona com os chamados mal feitos. Ele diz que, muitas vezes, “o fato acusa, mas o resultado escusa”. Ou seja, um governante tido como corrupto pode ser perdoado pelo povo desde que ele produza bons resultados no seu governo. Mas o governante (ou partido) tido como corrupto cai em desgraça quando os resultados do governo não satisfazem o povo. Nesses casos, a recuperação e a relegitimação, embora não impossíveis, são muito difíceis. Será preciso um enorme esforço de mudança de discurso e de imagem e de reafirmação dos valores cívicos e morais. Aparentemente, esta é a presente situação do PT e de seus governantes e candidatos. O processo do mensalão passou a imagem de que os líderes petistas se locupletam no poder e a escassez dos resultados não os escusa, ao menos por uma parte importante do eleitorado – principalmente a classe média.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
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