Por Luís Nassif.
Original aqui.
Digo há algum tempo e enfatizo: do ponto de vista programático, essas eleições são as mais significativas das últimas décadas. Pela primeira vez estão claramente explicitados dois modelos de governo: o neodesenvolvimentista e o neoliberal. Ambos têm suas virtudes e defeitos e propõem o pote de ouro da retomada do desenvolvimento no final do arco-íris. E essa divisão é quase tão antiga quanto o surgimento da economia.
Historicamente, o protagonismo na economia sempre foi disputado por dois setores: o financeiro e o da chamada economia real (comércio, indústria e serviços). A partir de determinado período, o trabalho também tornou-se protagonista, de certo modo aliando-se aos empresários da economia real.
Políticas econômicas, no fundo, representam esses interesses, o neoliberal representando a alta finança; o desenvolvimentista representando a indústria.
Obviamente o desenvolvimento de um país vai muito vai muito além do interesse imediato dos empresários de ambos os setores. É aí que entra o Estado, com políticas públicas suficientemente objetivas para colocar os dois setores alinhados com planos de desenvolvimento de longo prazo, sem permitir que interesses imediatos de um ou outro setor se sobreponham ao interesse de país.
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Os neoliberais são fundamentalmente internacionalistas. Isto é, não estão ligados aos interesses nacionais. E, como tal, não enxergam problemas nacionais - como saúde, educação, inclusão social, industrialização - como prioridade.
Sua prioridade é o interesse do grande capital. Seu discurso é que, quanto melhor tratar o capital, mas ele entrará e, entrando, automaticamente trará o desenvolvimento.
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Em alguns pontos o interesse do grande capital bate com o interesse do país. Na hora, por exemplo, em que o mercado ajuda a reestruturar setores em crise ou bancar novos setores dinâmicos.
Mas, no geral, o interesse de curto prazo do grande capital conflita com os projetos de longo prazo dos países. E, quando o mercado toma a política econômica nos dentes - como ocorreu no Brasil de FHC e de Lula (até a crise de 2008) - todos os conflitos entre o interesse do capital e do país são arbitrados em favor do capital. O interesse nacional e dos cidadãos ficam em segundo plano.
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Para avaliar melhor as chamadas políticas neoliberais, o primeiro passo é entender o que é o negócio do grande capital.
Emprestar a governos, através de compra de títulos públicos.
Arbitragem de ativos: comprar na baixa e vender na alta. Vale para imóveis, empresas, ações ou moedas de países, cotações de commodities.
Reestruturação de empresas: seja comprando, recuperando e vendendo ou promovendo aquisições e fusões.
Swaps de moedas: tomar empréstimos em determinada moeda e aplicar em outra, aproveitando o diferencial de juros.
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É em cima desses modelos de negócio que devem ser vistas as políticas econômicas neoliberais.
O grande capital não se liga nem a empresas nem a nações. Se um país ou empresa está "barato", ele compra. Se fica "caro", ele vende. Não há compromissos de longo prazo. Essa característica intrínseca do capital financeiro faz com que invista permanentemente em ondas de valorização de ativos e seu horizonte seja sempre o curto prazo. São as chamadas "bolhas".
Essa lógica nada tem a ver com a do desenvolvimento de países, que exige investimentos de longo prazo, em saúde, educação, inclusão social, apoio à industrialização até ganhar o status de nação desenvolvida. O grande capital tem os pés firmemente fincados no presente.
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Em função dessa lógica, na política econômica, ao capital financeiro interessam apenas alguns aspectos seguidos à risca por seus representantes quando Ministros:
Mobilidade de capitais - é condição necessária para entrar rapidamente em mercados "baratos" e sair quando a bolha explode. Qualquer política prudencial recomendaria prazos mínimos de permanência desse capital gafanhoto. Na gestão neoliberal, é anátema.
Políticas de controle da inflação - toda a estratégia consiste em elevar os juros acima da inflação esperada (como é o caso da política de metas inflacionárias). Afeta o emprego, a produção, mas preserva-se o valor do capital, que crescerá mais do que a desvalorização da moeda.
Política cambial e de juros - interessa apenas a apreciação da moeda. Se um investidor trouxer US$ 100 milhões com o dólar a R$ 2,20 e o dólar for a R$ 1,80, só por conta da valorização do real ele sairá do país com US$ 122,2 milhões. Se aplicar a uma Selic de 12%, sairá com US$ 140 milhões. Se, pelo contrário, na saída o dólar estiver a R$ 2,50, só pelo efeito câmbio seu capital será reduzido para US$ 88 milhões. Esse negócio extremamente rentável fica comprometido quando a relação dívida/PIB torna-se muito alta; ou quando as contas externas se deterioram. Logo, a perpetuidade desse negócio depende de superávits fiscais robustos. No plano cambial, a política neoliberal sempre colocará o negócio financeiro acima dos interesses da indústria e do emprego.
Superávit fiscal - Cada tostão aplicado em programas sociais tira espaço do capital financeiro para continuar ganhando com a dívida pública. Daí porque programas como o Bolsa Família, Reuni, Prouni, crédito agrícola jamais serão prioritários em um governo neoliberal. E as metas de superávit são sempre muito maiores do que o necessário, justamente para não restringir o uso dos juros elevados.
Bancos públicos - Um setor em crise é um grande negócio. Basta o financista comprar a empresa ou parte dela, injetar capital para imediatamente haver um salto no seu valor. O mesmo vale para empresas que precisam se capitalizar para crescer. Ao prover capital para esses setores, o BNDES tira mercado e protagonismo dos fundos de investimento. O industrial tem mais trunfos para abrir mão do investidor ou para negociar com ele em melhores condições.
Política agrícola - o foco do mercado é a grande propriedade agrícola apta a receber financiamento em dólares ou investimento. O crédito agrícola é uma pedra no caminho da concentração fundiária, além dos impactos no orçamento. A grande propriedade tem acesso aos mercados internacionais; os pequenos, não. Sem o crédito agrícola, seria muito mais fácil a aquisição das pequenas e médias propriedades pelo agronegócio. Ao país interessa agregar valor às commodities, para gerar empregos mais qualificados e balança comercial mais robusta. Ao neoliberal, não. Como seu horizonte é o mundo, tanto faz se o processamento das commodities é feito aqui ou na China, desde que seja em empresas controladas por ele.
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As chamadas políticas neodesenvolvimentistas têm seus vícios flagrantes, também, como o subjetivismo na escolha dos campeões nacionais, a pouca atenção aos aspectos fiscais dos programas subsidiados etc.
São erros passíveis de correção, porque o foco de análise é mais amplo. Consegue-se a competitividade interna não apenas melhorando o ambiente econômico, mas investindo maciçamente em educação, ciência e tecnologia, programas de capacitação da mão de obra, políticas industriais destinadas a criar setores competitivos e garantir a geração futura de empregos de boa qualidade.
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