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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Segundo mandato: perspectivas

Por Flávio Patrício Doro

Original aqui.

 Aí está. O processo eleitoral terminou, e Dilma foi reeleita. Se até agora não foram flores, a parte mais difícil vem agora.

Reeleita, agora vem a parte mais difícil da missão

Assim como foi em 2010, emerge das urnas uma situação inédita. Em 2010 a novidade era o perfil da nova presidente, eminentemente técnico e sem muito traquejo político. A ascensão ao poder de alguém assim, em um regime democrático, seria impossível em circunstâncias normais. O fator excepcional, claro, foi Lula.



Para o bem e para o mal, as características de Dilma imprimiram uma marca única ao seu primeiro mandato.

O que há de novo em 2014 é de outra natureza. Trata-se da combinação de dois fatores que, contando-se a partir de 1946, somente se haviam apresentado de forma isolada: uma eleição apertada e uma reeleição.
Na única eleição presidencial que tínhamos tido com tão pequena diferença relativa de votos desde o pós-guerra, que foi a de 1989, Collor era novato no Planalto, assim como seu grupo político. Além disso o país atravessava uma crise hiperinflacionária que aparentemente ninguém sabia resolver, e isso galvanizava todas as atenções. O que aconteceu após a eleição? Toda a expectativa se concentrou nas medidas que o novo governo tomaria. Derrotado, o PT de Lula bem que tentou manter-se ativo, criando um autointitulado governo paralelo, mas não conseguiu interferir de fato na agenda política do país. Os verdadeiros adversários de Collor eram a situação econômica e seu próprio estilo de governo. A parcela do eleitorado e da sociedade civil que havia apoiado Lula não exerceu pressão sobre o governo - antes, deu-lhe um crédito para tomar as medidas que julgasse necessárias para estabilizar a economia. (Aliás, esse fator de novidade também ajudou Dilma em 2010. Uma parcela dos que não gostavam de Lula estava disposta a esperar para ver.)

A situação agora é completamente diferente. Ao contrário de quatro anos atrás, todo o país conhece Dilma. Os segmentos politizados da sociedade - bem mais amplos agora do que há apenas alguns anos, devido à expansão da escolaridade e da informação - têm sua posição e sua expectativa a respeito deste novo mandato. A grande maioria, ou está claramente a favor ou está decididamente contra. Poucos se colocam de forma moderada.

Como se chegou a essa situação? Além da prática, também a retórica do PT, reminiscente da doutrina socialista que vê na luta de classes o motor da História, embora muito bem sucedida em seu propósito de ganhar a confiança da maioria menos favorecida, gradativamente provocou uma reação contrária em setores da classe média que já eram refratários a essa visão, reação essa que parte da imprensa tratou de estimular. Esse processo tornou explícitas as diferenças de opinião que até então conviviam tranquilamente nas sombras; essas diferenças se exacerbaram à medida que as notícias de corrupção envolvendo integrantes e aliados próximos do governo federal foram sendo propagadas. Também houve setores significativos que, anteriormente simpáticos ao PT, se sentiram traídos pelas práticas adotadas pelo partido uma vez instalado no poder.

Como resultado, formaram-se visões absolutamente antagônicas, cristalizadas e inconciliáveis. O lado A acusa o lado B de posar de benfeitor dos pobres enquanto se locupleta com nossos impostos. O lado B acusa o lado A de ser preconceituoso e não suportar ver os pobres terem acesso aos mesmos bens que eles estavam acostumados a deter com exclusividade. Ambos se acusam de incompetência administrativa e corrupção. E há os que não toleram nem A nem B e acham tudo farinha do mesmo saco. O espaço para diálogo é nulo. A confiança foi quebrada. Acabou-se a cordialidade do brasileiro. Nossa forma de discutir política adquiriu uma veemência portenha, que no nosso caso (não sei se no deles) é absolutamente estéril.

Qual o efeito prático disso para o mandato que se inicia? A parcela derrotada não vai querer colaborar com "o inimigo". Vai criar todas as dificuldades possíveis - no mais benigno dos casos, para provar que seu ponto de vista era correto; e, no mais drástico, para gerar um movimento gigantesco que poderia levar o governo a renunciar. Dito de outra forma: Dilma iniciará seu mandato sob a pressão mais intensa que um presidente teve de suportar desde os tempos de Sarney e Collor. Ela terá de compreender a situação e apontar novas direções, e rápido. Seu segundo mandato não poderá ser a continuação do primeiro. Terá de ser diferente. É sua única chance.

Quanto à fratura que se formou na sociedade, somente os partidos políticos têm a capacidade de curá-la. O grande problema é que foi justamente a aposta nesse antagonismo, pela via da exploração dos defeitos do adversário, que se mostrou amplamente eficaz na campanha política que se encerrou. Estigmatizar o opositor dá certo. Conclusão: estamos correndo o risco de que esta situação perdure por muito tempo.

Sou da opinião de que todo partido que se preze deve manter um centro de estudos, pesquisa, formação política e formulação de políticas públicas para gerar novos quadros, ideias e propostas, e que todo cidadão interessado possa frequentar. Isso poderia contribuir a médio prazo para mudar a ênfase da discussão política e superar o impasse em que ela mergulhou. Além, claro, de ter agentes políticos e gestores públicos mais qualificados.

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