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domingo, 10 de outubro de 2010

Religiotização

Vou ousar um neologismo. Porque não há outra forma de descrever o que está acontecendo nestas eleições presidenciais: religiotização.

Na ânsia de ganhar os votos dos brasileiros, os candidatos simplesmente partiram para cima de temas cuja relevância é discutível mas, principalmente, afronta direitos fundamentais de muitas minorias.

Agora o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo – perdoem-me a falta de hipocrisia ao não me referir a isso como “União” - são as tônicas do debate.

Como se o Presidente fosse responsável por decidir sobre a legalização do Aborto. Ou do casamento entre gays.

Parece que os demais assuntos, como os investimentos em infra-estrutura, os destinos da impressionante fortuna do Pré-Sal, os problemas na gestão da Saúde, a necessidade de estruturação da Educação, o combate à fome e à miséria e tantos outros temas se tornaram instantaneamente irrelevantes.

Porque os brasileiros querem mais votar em quem partilha de suas convicções religiosas, ainda que à custa do próprio desenvolvimento do País. Danem-se as escolas. Esqueçamos o Pré-Sal. Abandonemos a Saúde. Infra-estrutura é secundário. O importante é que o Presidente seja contra o casamento Gay e contra o Aborto.

Em breve ele também terá que ser contra os Muçulmanos, os Judeus, as Religiões Africanas. Parece mesmo muito promissor este debate.

A discussão política está pautada pelos temas religiosos. Antes, quando não havia temas em discussão, falava-se em "Idiotizar" o debate, ironia ao nível de profundidade e relevância com que os temas eram tratados. Esta barreira foi superada: agora não é mais a idiotização. Trata-se da Religiotização.

Parece que o eleitor quer ver suas convicções religiosas garantidas, ainda que ao preço de seu próprio desenvolvimento. Que sejam execrados os gays, e que levem para a cadeia por toda a eternidade as mulheres que cometem aborto. Isto feito, podem fazer o que quiser com o resto. Que é o Brasil inteiro.

Naturalmente, há alguns Padres, Pastores e oportunistas de toda hora que se levantam contra todas as conquistas, contra tudo o que o Brasil avançou, segurando solenemente essas duas bandeiras religiotas: o aborto e o casamento gay.

Juntando tudo isso à pouca quantidade de escrúpulos das duas campanhas, uma por avidez de retomar o poder, outra pelo desespero de vê-lo escorrer entre os dedos, temos a eleição mais suja que já se viu nos últimos anos.

Ninguém se lembra de ponderar que, independente da religião do Presidente, a Presidência, bem como todo o Estado brasileiro, não professa nenhuma Fé.

E assim corremos para uma eleição onde o homossexualismo é uma Praga Contagiosa. A Nova Lepra. Onde o aborto é o pior mal da sociedade. A Nova Sodoma. Onde todos devem ser radicalmente contra as duas Bestas do Apocalipse, os Gays e as Mulheres. Ou isso, ou sofrerão as penas da Inquisição. A Nova Inquisição, moderna, que não precisa de fogueiras para imolar os que condena.

É uma eleição. Uma Democracia. Prefiro Dilma. Não porque ela é contra ou a favor do Aborto. Eu sou contra, mas sei que há muito entre o Céu e a Terra.

Tampouco prefiro Dilma por conta de suas opiniões a respeito do Casamento Gay. Eu sou a favor. Porque não devemos negar a ninguém o direito de tentar ser feliz.

Tenho formação Católica, ainda sou profundamente religioso, e não faço a menor ideia a respeito da Fé de nenhum dos candidatos. Nunca me interessei em saber.

Prefiro Dilma porque ela representa uma realidade, uma experiência de governo de 8 anos. José Serra representa outra realidade, outro período de 8 anos. Agora é um ou outro. E compará-los não deixa nenhuma dúvida para mim.

Mas sendo eleição, e sendo Democracia, curvo-me como sempre à decisão das urnas. Ocorre que, desde já adivinho, curvar-me-ei em resignação, e não em concordância. Porque nestas eleições, ainda que minha candidata seja a eleita, eu continuarei desconfiando do que realmente motivou o voto das pessoas, sejam elas contra ou a favor de qualquer dos candidatos.

Temo que os motivos não sejam realistas, tampouco ideológicos, nem mesmo refletidos. Deve ser o voto meramente religioso.

Pura Religiotização.

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