Não é novidade o jogo de equipe na Fórmula 1. Daí que não se pode considerar uma surpresa o que a equipe Ferrari pediu a Felipe Massa que fizesse neste GP da Alemanha. E não é incomum as equipes definirem claramente um primeiro e um segundo pilotos. Pelo contrário: incomum é isso não acontecer. Como em 1988, quando Ayrton Senna vai para a Mclarem e começa a enfrentar Alain Prost, primeiro piloto, bi-campeão e com então 4 anos no time, sem que houvesse resistência do staff.
Acontecia, porém, que Ayrton tinha as costas quentes, já que era o escolhido da Honda, a poderosa fornecedora de motores. Era efetivamente um grande apoio dentro da equipe. De mais a mais, a superioridade técnica ímpar daquele carro, que venceu 15 das 16 corridas no ano, era suficiente para que se deixassem os pilotos brigar sem sustos.
Porque normalmente não acaba bem para as equipes quando seus pilotos se engalfinham durante a temporada. Historicamente há exceções, que apenas confirmam a regra. Basta ver que, das poucas vezes em que o melhor carro não venceu o campeonato mundial, em quase todas as ocasiões isso se deveu à disputa fraticida entre colegas de equipe. Exemplos não faltam: Fittipaldi e Petterson conseguiram fazer a Lotus não vencer o campeonato de 1973, perdendo para Jackie Stewart. Jones e Reutemann conseguiram perder, com a Williams, o título para Nélson Piquet em 1981. A mesma Williams, aliás, repetiria a proeza, deixando Piquet e Mansell se engalfinhar e assistindo Alain Prost desfilar sua competência rumo ao título em 1986. E a Mclarem viu Alonso e Hamilton destruírem um as chances do outro, e Kimi Raikkonen comemorar o campeonato de 2007.
Definitivamente, deixar os pilotos de um mesmo time disputarem entre si é muito arriscado. É mais seguro estabelecer um primeiro piloto. Como fez a Tyrrel com Stewart em 1973, a Brabham com Piquet em 1981, a Mclarem com Prost em 1986, a Ferrari com Raikkonen em 2007. Venceram o campeonato mesmo sem ter um equipamento à altura, aproveitando-se das disputas internas dos adversários.
E casos mais extremos de superioridade por anos a fio, como Ayrton Senna, que sempre foi o principal do time, enquanto a Berger só restavam migalhas. Idem para o caso de Rubens Barichello na Ferrari, quando ali havia Schumacher.
É importante observar que são casos de sucesso. Portanto, não dá para acreditar que é ruim haver um primeiro e um segundo piloto. É preciso entender isso como uma solução inteligente e segura. O que machuca às vezes é quando o segundo piloto é o nosso preferido: Barrichello, Massa. Lembro bem que não havia, aqui no Brasil, tanta gente assim gritando na época em que Gerard Berger era o capacho de Ayrton Senna, ou quando Piquet tinha Hector Rebaque e Ricardo Patrese como segundos pilotos.
Entretanto, há limites esportivos para isso. Quando um piloto recebe menos atenção, ou recebe as atualizações de equipamento com mais atraso, ou tem sua estratégia montada em função do colega de equipe, aí ele está sendo segundo piloto. Precisa se conformar com isso, e precisa fazer jogo de equipe também, como Patrese fez para Piquet em Kyalami/1983, Berger fez para Senna em Suzuka/1991, Massa fez para Raikonnen em Interlagos/2007.
Mas não se pode, esportivamente, admitir que, sem um motivo forte, como a iminente conquista de um campeonato mundial, ainda seja necessária uma ordem de equipe para que o segundo piloto ceda uma posição sem disputa, ele que já está em inferioridade técnica e estratégica. Estar ali, afinal, é algo que ele conseguiu contra todas as probabilidades.
Assim despreza-se o mérito do Esporte, em que deve vencer o que suplantou os adversários, para se impor o mérito empresarial, em que deve vencer o que for do interesse dos cartolas. É fraude, pura e simplesmente.
É o caso do GP da Alemanha. E não há um único culpado: é importante ressaltar que a Ferrari propôs o lamentável jogo aos seus pilotos, mas estes concordaram.
Nas mesmas condições Webber não cederá para Vettel. Como Hamilton não cedeu para Alonso. Como Senna não cedeu para Prost. Administrar isso é responsabilidade da equipe. Nãp dos pilotos. Estes buscam apenas vencer.
E aqui especificamente cabe esclarecer que Felipe Massa também não agiu esportivamente. Porque um esportista precisa atuar eticamente, sem infringir regras, mas também precisa fazer todo o esforço possível para alcançar a vitória. Ou isso ou não merece ser tratado como um verdadeiro Esportista. Rubens não foi antes, Felipe não é hoje.
Não há justificativa para essa submissão: nem o favorecimento à equipe, nem a cláusula contratual, nem o medo de perder o emprego.
A única recompensa que se faz digno dela o piloto que se permite ser usado assim foi exatamente o que Felipe Massa ouviu, via rádio, de sua equipe, no melancólico final da corrida: “Bom Garoto”.
Como ouve, de seu dono, o feliz cachorrinho que se comporta bem.
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