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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Anjo Pornográfico

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou, e sempre fui, um anjo pornográfico. Desde menino."
Nelson Rodrigues

Pernambucano de Recife, irmão do jornalista Mário Filho (que batiza também um estádio, conhecido por Maracanã), Nelson Rodrigues já seria um candidato natural aos holofotes. Mas ele foi além. Os holofotes iluminaram-no e revelaram o talento, a polêmica e o constante inesperado Anjo Pornográfico.

Mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro, e viveu na zona norte da cidade durante muitos anos na primeira metade do século 20. Ali, jura ele, encontrou inspiração para suas histórias.

Histórias que viajavam pela hipocrisia dos bons costumes, que tantas vezes disfarça o inconfessável. Que passeavam pelas vidas simples de pessoas comuns, e pela complexidade da sofisticação sem sentido, adotada por outras. Visitava o âmago das emoções humanas, as mais exacerbadas e as mais pudicas. Do ciúme à luxúria, do ódio ao amor, da tristeza ao êxtase. Histórias eróticas. Pornográficas, talvez. Mas, de forma nenhuma, vulgares.

Escreveu primordialmente para o teatro. Sua primeira obra, "A Mulher sem pecado" já exibia o que havia naquele autor. A história fala dos ciúmes (infundados?) de um marido, que se avolumam quando este se vê numa cadeira de rodas. Ali Nelson viaja pelo mundo da psicologia humana, pois ao mesmo tempo em que se sente injustiçada, a esposa também se vê invadida pelos pensamentos libidinosos sugeridos em cada acusação, ao tempo em que, percebendo este processo na esposa, o marido fica ainda mais torturado, num ciclo vicioso que só se romperá junto com as emoções de todos os envolvidos. Mulher sem pecado.


Rodrigues e suas tramas lidam todo o tempo com sexo, com sexualidade. É uma obra essencialmente erótica, inegavelmente erótica, pornograficamente erótica. Todavia, é fácil ver que este erotismo é apenas a porta de entrada que o autor, talvez em conluio com Freud, usa para escancarar a alma das personagens e desnudá-las, às vezes literalmente, no palco. O público vê, e vê-se a si mesmo, já que as emoções, os temores, os desejos, as frustrações, os preconceitos que brotam das coxias são os mesmos que nascem a todo instante no espírito de cada expectador.

Platéia e Personagens vivem as mesmas dores. Impossível resistir.

Deixou uma imensa obra teatral, e uma série de polêmicas a respeito de suas próprias obras, mas também no campo da política: Nelson era, algo extremamente improvável de se encontrar no Teatro, um direitista convicto que não se intimidava em expor e defender suas teses.

Ontem, Nelson Rodrigues faria 99 anos.

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