É interesante notar como o antigo herói da PF, o homem de tantas operações "fantásticas", "surpreendentes" e "corajosas" de repente se torna vilão. É demitido, e perseguido pela própria polícia.
Tudo isso depois da operação em que ele denunciou a corrupção que vai dos governos do PSDB aos do PT. Passa pela grande mídia, pelas empresas de telecomunicações e pelas privatizações.
Nessa hora ele perdeu todo o apoio. Do governo e da Oposição. E, principalmente, da "Grande Imprensa".
Não há herói que sobreviva contra tantos e tão poderosos inimigos.
Extraído de "Carta Capital". Leia aqui.
Por Leandro Fortes
“Na noite de quarta-feira 11, o delegado Protógenes Queiroz sentou-se diante de uma platéia de mais de 600 pessoas no auditório da Loja Maçônica de Joinville (SC). Como tem sido comum desde o seu afastamento da Polícia Federal, o delegado havia sido convidado para falar sobre o combate à corrupção no Brasil. Como também virou rotina, uma dupla de agentes federais o esperava com a enésima intimação para depor em processos internos abertos contra ele na PF. Do lado de fora, outros dois policiais vigiavam as saídas.
Um dia antes, na Universidade de Franca, no interior de São Paulo, Protógenes resolveu fazer piada da situação. ‘Peço aos colegas que se dirijam aqui à frente para me entregar a notificação’, afirmou o delegado, interrompendo a palestra. ‘Sei que os senhores estão cumprindo ordens, embora constrangidos.’ A platéia o aplaudiu efusivamente. Os agentes, pegos de surpresa, foram embora sem cumprir o que parece ter se tornado uma missão prioritária na gestão do atual diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa: aproveitar eventos públicos para intimidar e constranger o chefe da Operação Satiagraha, responsável pela investigação que possibilitou a condenação a dez anos de cadeia o banqueiro Daniel Dantas.
A obsessão de Corrêa inclui, desde a deflagração da Satiagraha, em 8 de julho de 2008, um programa permanente de ações administrativas apoiadas pelo ministro Tarso Genro, da Justiça. E tem provocado mal-estar, críticas e crescente oposição na PF. Para piorar, Corrêa mudou radicalmente a orientação desenhada pelo antecessor Paulo Lacerda. Escassearam as operações contra crimes de colarinho branco (na verdade, a última foi justamente a Satiagraha), voltaram as modorrentas e pontuais ações de apreensão de drogas. Para tentar evitar a oposição dos delegados fiéis a Lacerda, Corrêa trocou os titulares de todos os cargos importantes da corporação desde que assumiu a direção-geral no fim de 2007.
Não funcionou a contento. Apesar da limpa, Corrêa tem enfrentado fortes protestos internos. Em 30 de setembro, pela primeira vez na história da PF, policiais deslocados de superintendências estaduais foram para a porta do Ministério da Justiça pedir a demissão do chefe. No mesmo dia, uma ‘operação padrão’ em Foz de Iguaçu, na fronteira com o Paraguai, foi desencadeada para prestar solidariedade aos manifestantes. Uma semana antes, durante encontro nacional realizado em Maceió (AL), representantes dos 27 sindicatos de policiais federais haviam decidido pedir, formalmente, a cabeça de Corrêa ao ministro Genro. Por enquanto, em vão.
Em 25 de setembro, o presidente do Sindicato dos Policiais Federais (Sindipol) do Distrito Federal, Cláudio Avelar, enviou simultaneamente três ofícios dirigidos ao ministro da Justiça, ao presidente Lula e ao deputado Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara dos Deputados. No texto, classifica a gestão de Corrêa de ‘antidemocrática, sem critérios técnicos e objetivos, além das perseguições que remontam ao período da ditadura militar’ – esta última frase, referência explícita à sanha contra Protógenes.
‘Nunca houve tanta interferência política na Polícia Federal’, afirma Avelar. Segundo o presidente do Sindipol, tanto o diretor-geral quanto o ministro querem demitir Protógenes por razões políticas, mas usam procedimentos administrativos para esconder a intenção. ‘Eles podem até demiti-lo, mas o delegado vai acabar revertendo isso na Justiça’, avalia Avelar. ‘Não há uma única prova contra ele’, afirma.
Mesmo a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, normalmente alinhada aos interesses dos dirigentes da corporação, passou a encampar a bandeira de mudanças no método de escolha do diretor-geral. Quer, em tese, evitar o ‘recrudescimento’ das ingerências políticas no órgão. Em carta pública elaborada no 4º Congresso Nacional de Delegados Federais, em 3 de novembro, eles afirmam que a ‘construção de uma Polícia Republicana, que atua a serviço do Estado e não de governos, só será possível com o mandato para o cargo de diretor-geral escolhido entre os delegados de Polícia Federal’. Um recado nada sutil a Corrêa.
A possível demissão de Protógenes poderá se basear em um fato ocorrido em 30 de setembro de 2008. O episódio foi apresentado à mídia como prova da sua participação em um comício do ex-prefeito e então candidato do PT à prefeitura de Poços de Caldas (MG) Paulo Tadeu D’Arcadia. Protógenes foi acusado de ter infringido uma lei de 1966, imperiosa para a ditadura de então, que proíbe atividades político-partidárias de servidores da corporação. Na verdade, nunca houve comício algum. O que fez o delegado foi gravar uma declaração de apoio à instalação de uma delegacia da PF no município, um dos mais importantes do sul de Minas.
‘Por ter lutado pela delegacia da PF aqui, e só por esta razão, gravamos uma declaração de apoio do delegado Protógenes, para a tevê e a rádio, à minha candidatura. Foi apenas uma gravação’, informou D’Arcadia, em carta enviada ao jornalista Paulo Henrique Amorim e publicada no blog Conversa Afiada. O político afirma ter explicado a situação à comissão da PF montada para investigar a ‘denúncia’ e diz se sentir ‘envergonhado’ com o que classifica de ‘postura pusilânime’ do ministro Genro, com quem alega ter convivido no diretório nacional do PT. ‘Este episódio, se não corrigido, ficará como mancha de perseguição política, constrangendo todos que acreditaram e, como eu, acreditam no governo Lula’, escreveu o petista.
O calvário de Protógenes começou logo após a prisão de Dantas. Em menos de 48 horas, o banqueiro obteve habeas corpus do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. O delegado, apoiado pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal de São Paulo, conseguiu colocar o dono do Opportunity novamente atrás das grades, o que obrigou Mendes a conceder um segundo HC.
O presidente do STF nunca perdoou a dupla pela segunda prisão. Sentiu-se afrontado em seu poder supremo. A partir daí, apoiado em uma cobertura propositadamente enviesada da mídia, quando não absolutamente mentirosa, Mendes conseguiu produzir factóides que obnubilaram a Satiagraha e infernizaram a vida de Protógenes, De Sanctis e Paulo Lacerda, então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Por conta de um inexistente grampo no Supremo, Lacerda foi enviado ao desterro em Lisboa. De Sanctis enfrenta a marcação implacável da corregedoria do tribunal federal. E o delegado, afastado do comando da Satiagraha uma semana após as prisões de Dantas, corre o risco de ser demitido da PF. Sem que, no caso dos três, se tenha produzido uma única e escassa prova de conduta irregular.
Na quarta 11, por exemplo, o Ministério Público Federal, responsável pelo controle externo da polícia, reafirmou o que já havia informado antes: não houve qualquer ilegalidade no apoio de agentes da Abin à Satiagraha, pois o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) prevê ações conjuntas dos órgãos. O MPF já havia tentado arquivar o caso antes, mas sofreu forte oposição do juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Na recente decisão, o subprocurador Wagner Gonçalves não só encerrou o assunto como deu um chega pra lá em Mazloum, a quem acusou de ter usado de ‘excesso de linguagem’ ao rejeitar o primeiro arquivamento.
Um dos pecados da Satiagraha, ao que parece, foi ter captado o melífluo lobby de próceres do PT a favor de Dantas, a exemplo do que fez o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Famoso por seu engajamento em causas humanistas, Greenhalgh não só tentou interceder no Planalto em prol do ‘perseguido’ banqueiro como, de acordo com declarações à CartaCapital da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, queria angariar a simpatia da administração paraense aos empreendimentos agropecuários de Dantas na região. Uma atuação a coroar a carreira humanista do engajado causídico.
A inconsistência das acusações não comove Corrêa. Em 14 de abril passado, com base na acusação de suposta participação político-partidária em Poços de Caldas, Protógenes havia sido afastado das funções de delegado e teve o salário reduzido pela metade. Praticamente ao mesmo tempo, outros dois processos administrativos foram instaurados. Um deles, o procedimento administrativo 014/2009, instaurado em 31 de agosto, foi requentado de um outro, encerrado em 2005, e diz respeito à prisão de Flávio Maluf, filho do deputado Paulo Maluf (PP-SP), ex-prefeito de São Paulo, acusado de fazer parte da quadrilha montada supostamente pelo pai para desviar dinheiro público.
Embora a ação fosse coordenada por Protógenes, a prisão de Flávio Maluf foi realizada pelo delegado Alessandro Moretti, também investigado, por ter permitido a presença de um repórter da TV Globo durante a ação e por ter requisitado um helicóptero de um dos investigados para fazer o transporte do preso para as dependências da PF em São Paulo. Segundo a assessoria de imprensa da polícia, o primeiro procedimento foi encerrado por causa de um ‘erro formal’ da comissão encarregada de investigar a ação policial, quatro anos antes.
A outra investigação, o PAD 46/2009, é fruto dos humores de Corrêa. Ele ficou irritado com um texto publicado no Blog do Protógenes, mantido, segundo o próprio, por um advogado e dezenas de colaboradores, onde é feita uma relação entre a perseguição da PF com os interesses feridos de Dantas.
Além disso, Queiroz é alvo de três sindicâncias internas da PF. Em duas delas, é investigado por mexer, novamente, no vespeiro do Opportunity. Em uma, o delegado fez referências a Dantas no caso de grilagem de terras no Pará. Em outra, chamou o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) de líder da ‘bancada de Dantas’ no Congresso Nacional (há alguma mentira no chiste?). A terceira sindicância guarda similaridade com o caso de Poços de Caldas. O delegado é investigado por gravar declarações de apoio à deputada Luciana Genro (PSOL-RS), filha do ministro Genro, usadas em horário político. Protógenes afirma não ter autorizado o uso da gravação na propaganda eleitoral.
As desavenças entre Corrêa e Protógenes descambaram para um jogo de gato e rato. O diretor-geral tem feito questão de enviar agentes para notificar o delegado afastado em eventos públicos e palestras Brasil afora. Seja em Minas Gerais, Pernambuco, Paraná ou São Paulo, os passos de Protógenes são atentamente seguidos por colegas da corporação.
O mesmo empenho em rastrear a movimentação do delegado tem demonstrado o juiz Ali Mazloum. O magistrado encampou a tese da ‘contaminação’ da Satiagraha pela Abin, argumento tão caro à malfadada e patética CPI das Escutas Telefônicas presidida pelo deputado Marcelo Itagiba, que há pouco trocou o PMDB pelo PSDB. A CPI, como tantas outras criadas sobre o nada, terminou de forma deprimente – apesar de ter rendido manchetes rocambolescas para a porção da mídia empenhada na causa do orelhudo.
Em 27 de outubro, quando se preparava para falar a estudantes da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, em Governador Valadares (MG), Protógenes foi abordado por um oficial de Justiça por ordem de Mazloum. O juiz nunca perdoou o federal por ter sido apontado, durante a Operação Anaconda, em 2004, como integrante de uma quadrilha da qual participava seu irmão, o também juiz Casem Mazloum. Ali foi acusado de abuso de poder. Casem, de fazer grampos telefônicos clandestinos.
Na sexta-feira 6, enquanto participava da 12ª Convenção Nacional do PCdoB, partido ao qual se filiou, o delegado foi surpreendido por uma ligação no telefone celular. Do outro lado da linha, segundo ele, estava outro policial federal, também presente ao evento no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo. ‘Fui avisado que seria demitido antes do Natal’, conta. A demissão, segundo o colega da PF, seria motivada pelo tal procedimento administrativo sobre a participação dele no comício de Poços de Caldas.
O delegado da Satiagraha não teve dúvidas. Ligou para diversos jornalistas e denunciou a manobra, em meio ao evento. Antes mesmo de acabar a convenção, a notícia tinha se espalhado via internet e chegado ao ouvido do principal convidado da festa, o presidente Lula, que estava acompanhado do ministro Tarso Genro. Também presente no Anhembi, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, não entendeu nada quando começou a falar para o auditório lotado e viu as luzes das câmeras de tevê e os flashes dos fotógrafos voltados para o ponto da platéia onde estava Protógenes.
O delegado acredita ter desarmado a bomba da demissão a tempo, embora não tenha conseguido ter acesso a informações oficiais. CartaCapital solicitou à assessoria de imprensa da Polícia Federal, em Brasília, dados sobre o trâmite das investigações levadas a cabo contra o funcionário. De acordo com a assessoria, das três investigações abertas contra o policial, somente uma delas, relativa ao comício de Poços de Caldas, está concluída. ‘Neste caso, tanto a comissão de disciplina responsável pelo procedimento quanto a Corregedoria-Geral deram parecer pela suspensão por 60 dias, sob análise da instância superior, no caso o MJ (Ministério da Justiça), conforme prevê a Lei’, informa um texto enviado por e-mail.
Genro não atendeu ao pedido de entrevista de CartaCapital. Por meio de sua assessoria, informou: ‘Não vou dar porte político à questão nem tomar qualquer decisão que tenha caráter político, seja a favor ou contra as intenções eleitorais do senhor Protógenes Queiroz. Os inquéritos internos da Polícia Federal têm caráter técnico, adequados aos estatutos que regem a corporação, e assim continuarão. Reafirmo: não vou participar de nenhum debate político, nem ter qualquer ação, ou persecutória ou protetiva, em relação a senhor Protógenes’. O delegado sairá candidato pelo PCdoB em 2010. Ainda não decidiu se a deputado federal ou senador.
Na verdade, ao ser enviado ao Ministério da Justiça, o assunto ganhou inevitável peso político. Genro, no mínimo, tem feito vistas grossas ao constrangimento de Protógenes. É ele que, segundo a lei, como titular da pasta, tem poder de punir um delegado da PF com demissão. Caso opte pela atitude extrema, corre o risco de, às vésperas de um ano eleitoral, colocar na rua um delegado que, tem demonstrado os fatos, cumpriu com o seu dever dentro dos limites legais. Ironicamente, Tarso Genro, candidatíssimo ao governo do Rio Grande do Sul, tem sido injustamente acusado de usar a Operacão Rodin, que desmontou um esquema de corrupção no Detran gaúcho, para atingir uma de suas adversárias, a governadora tucana Yeda Crusius.
E mais: a oposição e parte da imprensa sempre acusou o governo Lula de transformar, na gestão de Paulo Lacerda, a PF em um instrumento de perseguição. Genro, mesmo antes de assumir o Ministério da Justiça, fazia questão de ressaltar o caráter ‘republicano’ da corporação. Resta saber se, ao dar guarida à perseguição de um delegado ligado a Lacerda e permitir uma mudança tal radical de rumo, o ministro terá se rendido aos argumentos da oposição.”
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