Sobre o Cacau já tive a oportunidade de discorrer (leiam aqui). Ilhéus perdeu, com as sucessivas crises da Lavoura, o posto de Celeiro Mundial da preciosa semente. Desde então os concorrentes ocuparam fatias cada vez maior do Mercado Internacional, que hoje é dominado por países da África e da Ásia. Da mesma forma, no próprio mercado nacional, o Pará já se prepara para tomar da Bahia o posto de principal estado produtor.
E o Turismo, apesar de ser uma atividade de importância indiscutível, também não demonstra fôlego para sustentar a economia da Região.
Esta indústria não tem promovido nenhum "desenvolvimento sustentável". Pelo contrário, é uma atividade com fortes aspectos sazonais e de concentração de renda.
Habitação típica de quem "vive do Turismo" em Ilhéus |
Tradicionalmente a Indústria do Turismo se instala através de um processo bastante duro para as populações locais. Podemos definir, de maneira geral, este processo como sendo composto de “ondas” de transformação. Como segue.
A primeira “onda” vem com o interesse de pessoas em empreender atividades em uma região. Então estes grandes investidores adquirem terras dos nativos, normalmente a preço muito baixo, e começam seus empreendimentos. Tipicamente trata-se de hotéis e restaurantes, preferencialmente voltados para um público de poder aquisitivo mais alto, a fim de maximizar os lucros.
A segunda “onda” vem em seguida, pelo fato de que a região passa a ser freqüentada por pessoas de poder aquisitivo alto. Pessoas que podem pagar mais caro pelos bens básicos que necessitam. Isso eleva o preço de todos os produtos locais. Em localidades como essas, a Cesta Básica chega a ser mais de 50% mais cara do que nas capitais e principais cidades do Brasil. Afinal, como diz Fagner em sua música, “quem é rico mora na praia”.
A terceira e última “onda” vem com a total inviabilidade da permanência dos nativos na região. Como não são eles os donos dos empreendimentos, e tampouco são eles quem lucra com o Turismo que ali se instalou, sua renda não cresce na mesma proporção que o aumento dos custos proporcionados pela ocupação turística. Isto posto, aos nativos restam dois caminhos. O primeiro caminho é trabalhar nas vagas menos remuneradas que lhes são oferecidas e permanecer subempregados, ou mal-empregados, de algum empreendedor de fora. O segundo caminho é mais simples: a Porta da Rua. Os nativos vão-se embora, simplesmente expulsos de sua região pela atividade turística.
Exemplos de locais que experimentaram essas “ondas” não faltam pelo Brasil afora. Pipa, no Rio Grande do Norte, Porto de Galinhas, em Pernambuco, Jericoacoara no Ceará, Barra de São Miguel em Alagoas, Guarapari no Espírito Santo, Camboriú, em Santa Catarina. Na Bahia não é diferente: Itacaré, Morro de São Paulo, Porto Sauípe, até mesmo Porto Seguro. Em todas essas belas praias o Turismo se estabeleceu da maneira predatória que lhe tem sido peculiar. Em todos esses lugares os negócios são tocados por empreendedores de fora, e os nativos que não foram expulsos permanecem ali como meros subempregados.
O passo seguinte é fácil de prever: surgimento de bolsões de pobreza, com os conseqüentes aumentos dos índices de violência, desemprego, desorganização social, ocupação imprópria dos espaços. Verdadeira e silenciosa degradação do Homem e do Meio Ambiente.
Também é importante desmascarar o Mito do turismo como atividade que promove desenvolvimento com distribuição de renda. Os dados não sustentam esta hipótese. Segundo o IPEA, a quantidade de ocupações formais (empregos com carteira assinada) do turismo cresceu, em média, pífios 4% ao ano entre 2003 e 2006, os anos dourados de desenvolvimento econômico, anteriores à Crise Mundial. Ainda segundo o IPEA, há uma perversa relação de aproximadamente três (2,94) empregados informais para cada empregado formal no Nordeste – realidade provavelmente similar à de Ilhéus, sendo esta uma cidade Nordestina. Por empregos informais é fácil inferir do que se trata: subempregos ou empregos temporários em função da sazonalidade típica da atividade turística.
O relatório do IPEA pode ser lido aqui.
Tudo isso explica o porquê de, a cada ano, 22800 novos profissionais se formarem em cursos superiores da área de turismo pelas 570 instituições que oferecem graduação nesse campo no país, mas simplesmente não encontrarem lugar no mercado de trabalho, de acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh), Moacyr Roberto Tesch Auersvald. (leia aqui).
Conforme explica o Presidente, a grande carência de mão-de-obra no setor não é de profissionais de nível superior, para cargos de chefia, e sim de pessoal operacional. Um hotel médio, por exemplo, tem de cinco a seis gerentes e cerca de 200 funcionários trabalhando nas funções de camareira, faxineira, recepcionista, garçom e cozinheiro. "O que o setor precisa é de gente para carregar o piano, e não de pessoas para tocá-lo", diz Auersvald. (leia aqui).
Evidentemente que o Turismo não pode ser descartado como alternativa econômica para Ilhéus. O erro não está em apostar no Turismo. Está em apostar só no Turismo.
Quanto mais atividades econômicas existirem, conforme se espera para esta Região com a instalação do Complexo Intermodal, então mais oportunidades diferentes, e independentes entre si, as pessoas encontrarão. Um mercado de trabalho mais diversificado, em que o Turismo compita contra outras atividades pela mão de obra, e vice-versa, é a melhor garantia de que haverá um verdadeiro crescimento sustentável, com inclusão e promoção social.
O Turismo não justifica que Ilhéus abra mão do Complexo. Muito pelo contrário.
Ilhéus precisa do Complexo por causa do Turismo.
Caráca! Detonaste!
ResponderExcluirVivi 32 anos de minha vida imerso em áreas turísticas: 27 no Rio (capital), 4 em São Pedro da Aldeia/Cabo Frio e 1 em Natal.
ResponderExcluirVou tomar a liberdade de acrescentar Armação de Búzios e a Costa Verde (Angra e outras cidades) à sua lista de exemplos. Conheço como a palma da mão o Rio seu Litoral Sul (Costa Verde) e Norte Fluminense (Costa do Sol).
Em Búzios, por exemplo - que poucos anos atrás não passava de um vilarejo -, ainda há uma forte atração para a mão-de-obra não qualificada, especialmente de baianos (em sua maioria caseiros). Isso ainda ocorre (acho) porque a densidade demográfica nunca foi muito elevada. Quem deseja um trabalho melhor remunerado vai para o Rio, ou melhor, sua região metropolitana, transformando em "cidades dormitório" São Gonçalo, Nova Iguaçu, São João do Meriti e Duque de Caxias, corroborando o que foi dito na "terceira onda". Os que permanecem na cidade são, em sua maioria, caiçaras que sobrevivem da pesca artesanal kocal e até da mais "sofisticada" junto aos médios armadores de Cabo Frio.
Corroborando com o que você escreveu, em Búzios os salários são baixos e os preços andam nas nuvens. Não somente dos produtos para turístas, mas, de modo geral. É comum Cabo Frio receber dezenas de moradores nativos de Búzios nos finais de semana para as compras de gêneros alimentícios. Os "cata-cornos" que fazem a linha retornam a Búzios atopetados de caixas e embrulhos.
Onde moram? Em sua grande maioria, os trabalhadores de Búzios residem nos bairros periféricos e afastados do Centro e sem infraestrutura. Rasa é um dos mais populosos. Como o Centro (Armação)é uma área bastante pequena, esses bairos ficam há alguns quilômetros de distância havendo áreas despovoadas que as separam.
Em Cabo Frio, mesmo sendo uma cidade média, essa massa de trabalhadores também reside em regiões periféricas e pobres. Há um enorme bairro de casas simples chamado São Cristóvão e outro mais afastado denominado Campo Redondo. Em ambos, a falta de estrutura básica e a violência estão presentes.
Em Natal, apesar da boa organização urbana, muitos trabalhadores (praticamente todos dependentes do Turismo) moram em condições pouco confortáveis. Como você bem disse na "primeira onda", os investidores (salvo raríssimas exceções) são todos de fora. Os poucos nordestinos abastados, donos dos canaviais e das indústrias alcooleiras, preferem investir e proteger suas riquezas na compra de apartamentos em prédios luxuosos. Não geram empregos nem desenvolvimento.
Acrescento a tudo isso o fato de o preconceito contra o pobre ser muito grande nas cidades citadas.
Por fim, uma pequena consideração sobre Pipa. É um paraíso costeiro com formação em falésias e águas cristalinas pertencente ao Município de Tibau do Sul. O vilarejo é dominado por traficantes e consumidores de drogas.
Souza Neto
Não conhecia esses pormenores das cidades turísticas do Rio de Janeiro. Mas imaginava que não fosse muito diferente. O engano é tomar o Turismo, ou qualquer outra atividade, como "tábua de salvação".
ExcluirÉ que o sistema capitalista é o mesmo para qualquer atividade econômica e, quando encontra uma condição monopolista, gera suas distorções e crueldades.
Simples assim.
Só voltei a acessar seu blog hoje. Por isso a demora na réplica. Ando assoberbado de trabalho depois que aceitei um convite da Marinha do Brasil para a execução de Tarefa por Tempo Certo (modalidade de contrato com pessoal da reserva remunerada). Devo me afastar do magistério por um tempo.
ResponderExcluirQuanto ao conhecimento que tenho do Rio, isso foi possível durante meus trinta (30)anos na ativa da Marinha, tendo o Rio como sede. De lá, viajei em algumas missões militares ao longo do citado período e, por essa razão, também conheço um pouco do Gigante.
Seu artigo está excelente! Toca em aspectos que muitos daqui não levam em consideração. Turismo é uma das maiores "indústrias" do mundo, mas não é tudo. Especialmente quando levado a termo por gente leiga e despreparada. Monocultura muito menos! Temos a prova disso!
Vou finalizar com duas perguntas:
QUANDO COMEREMOS CHUCHU, TOMATE E PEPINO PLANTADOS POR ESSAS BANDAS?
SERÁ QUE SOMENTE OS CAPIXABAS SABEM CULTIVAR A TERRA?