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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os dados falam por si

Eu definitivamente gosto mais da palavra escrita do eu da palavra falada. Enquanto esta é dita ao sabor do momento, e se perde ouvido adentro sem maiores compromissos, turvada pelas emoções e pelos calores das discussões, aquela é, normalmente, resultado de reflexões mais profundas e cuidadosas, e permite aos interlocutores rever e ajustar mais coerentemente o discurso aos elementos da discussão. Deve ser por isso que certos debates famosos na história da ciência e da filosofia tiveram palco na palavra escrita, como por exemplo as cartas trocadas entre Freud e Eric Gutkind quando debatiam com Albert Einstein.

Por isso que eu estou aqui fazendo essa provocação escrita – provocação num contexto acadêmico, por favor, não imaginem que estou tentando espicaçar ninguém.

Recentemente tive (mais) um debate com doutores em humanidades. Sempre considero esses debates ricos, e é como resultado deles que hoje me considero, entre os que imodestamente se julgam cientista no ramo das Ciências Exatas, ainda que eventualmente sequer julguem ser Ciência o que eu estudo, um dos que tem o melhor trânsito no domínio das Ciências Humanas.

O debate recente foi a respeito do Dado. Os meus amigos humanistas diziam que este elemento do método científico, o dado, pode dizer o que o pesquisador desejar. Depois houve um pequeno problema léxico/semântico, quando foi argumentado que o dado não diz nada. Então vou argumentar que, semanticamente, ele diz, sim, embora não tenha “boca” nem “língua”. Mas, lexicamente, precisamos concluir que o dados não podem ao mesmo tempo “não dizer nada” e em seguida “dizer o que o pesquisador quer”. Vamos atribuir esse pormenor às faltas cometidas pela ausência de rigor científico típico da palavra não-escrita.

E vamos ver que um dado efetivamente “fala”. Primeiro uma breve definição de dado do ponto de vista filosófico, traduzido livremente de The Dictionary: “dado: qualquer fato assumido ser sujeito de observação direta; qualquer proposição assumida ou dada, a partir das quais conclusões podem ser tiradas”. Posta essa definição, efetivamente temos que os dados nos falam, sim. Claro que há um elemento humano transformando dado em informação, mas não vou me estender nessa discussão. Vamos ver alguns exemplos de dados que nos falam claramente alguma coisa.

a) Dia 21/04/2009 à 01:13 horas, horário local, a maré em Ilhéus estará com 1,7m.
b) O DNA humano é 98,5% idêntico ao DNA dos chimpanzés.
c) No dia 06 de Agosto de 1945 foi detonada uma Bomba Atômica em Hiroshima.

Esses dados, usados tipicamente (mas não somente) por cientistas nas áreas de meteorologia, biologia e humanidades, dizem claramente alguma coisa. Falam per si.

Além disso, mostram-se inflexíveis aos desejos dos cientistas; ou poderia a detonação da bomba em Hiroshima mudar de data para se ajustar à teoria de um pesquisador qualquer? Isso é uma característica do Método Científico: a teoria precisa se ajustar aos dados, e não o contrário. Não há como se validar uma teoria em História, por exemplo, que parta da premissa que a Bomba foi detonada no dia 07 de Agosto, ou no dia 05. O dado não vai se curvar ao pesquisador.

Portanto, perdoem-me os amigos doutores em humanidades, e usem esse espaço para contra-argumentar, não consigo crer que “os dados dizem o que o pesquisador quer”. Embora, sob um outro ponto de vista, seja eu o primeiro a lhes dar razão.

Não seria o caso de, ao invés de dizermos que “o dado fala o que o pesquisador quer”, a gente dizer que “a metodologia que produz o dado, poderá produzir o dado que o pesquisador quer”? Se for assim, então estaremos de acordo.

Porque o processo de produção de conhecimento científico passa, entre outras, pelas etapas de Levantamento de Hipóteses, Levantamento de Dados e Confrontação; por exemplo, um cientista deseja provar a hipótese de que, no passado, os dinossauros habitaram o sertão da minha querida Paraíba. O fatos, obtidos via escavação, dão conta de que existem efetivamente fósseis de várias espécies de dinossauros na região de Souza, alto sertão paraibano. A confrontação entre dados e hipótese dará conta de que esta é válida (epistemologicamente passa a ser chamada não mais de hipo-tese, e acaba promovida a Tese).

Não obstante, um conjunto de dados pode ser produzido para dizer o que o pesquisador deseja, desde que a metodologia usada assim os direcione. Nos anos 60 e 70 a indústria do Tabaco fez inúmeros levantamentos “estatísticos” “provando” que não há correlação entre o consumo de cigarros e o câncer.

A comunidade científica, na época, denunciou. Não o dado, mas a metodologia que o produziu. O que é bem diferente. Havia “simplificações” estatísticas que, do ponto de vista científico, foram consideradas espúrias.

Por outro lado, meus caros, não poderia ser o caso de, ao invés de dizer “o dado fala o que o pesquisador quer”, se dizer que “o pesquisador tira a conclusão que quiser a respeito do dado”? Por exemplo, um pesquisador pode concluir que, tendo explodido dia 06 de Agosto de 1945, a Bomba de Hiroshima foi usada para confrontar a Igreja Católica, porque dois dias depois, 08 de Agosto, é o Dia do Pároco.

Evidentemente a conclusão é absurda. Mas notem que o absurdo é dizer “A Bomba de Hiroshima foi usada para confrontar a Igreja”, como conseqüência do fato de que ela foi detonada no dia 06 de Agosto. É a conclusão, não o dado, quem se curva à vontade do pesquisador.

Assim, se simplificamos parte do processo de produção de conhecimento científico num esquema <Metodologia> →dado→<Conclusões sobre os dados>, eu concordo que o primeiro e o último elemento se dobram ao que os pesquisadores desejam, e isso pode invalidar todo o processo, fazendo-o fugir do rigor científico. Mas não me convenço que o problema está no dado. O dado não diz o que os pesquisadores querem. Ainda que possa ser um dado nascido de metodologia viciada, ou que seja seguido por conclusões sem fundamento, ele permanece inflexível; os dados dizem apenas o que os dados dizem.

5 comentários:

  1. É, caro Degas. Voce precisa entender que existe ciência e pseudo ciencia. O que a humanidade tem a agradecer a cientistas que estudam teorias tão importantes quanto o sexo dos anjos? Não existe nada de util produzido por pseudo-cientistas "sociologistas", "psicologia", etc.

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  2. Legal o seu blog. E a cara da Vivi nessa foto, impagável!!!
    Essa galera de humanas é muito engraçada. Usam carros, escrevem em computadores e tomam remédios de última geração e ainda se acham no direito de dizer que a ciência como um todo é uma fraude...
    Olha, tem muita fraude por aí mesmo, mas acho que se a gente fizer um levantamento do percentual de pesquisas realmente sérias de um lado e do outro... hum...

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  3. Pelo que tou vendo, você não é pesquisador de Ciências Humanas. Nem cientista deve ser. Sabe o que é Método Científico? Sabe o que é metodologia da pesquisa? Sabe a diferença entre um tecnólogo e um cientista?

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  4. Caro Degas. Sou professor de Ciências Humanas. Doutor em Sociologia.
    Não sei quem foram teus interlocutores, mas posso assegurar que eles se mostram, no mínimo, inexperientes.
    O rigor científico não é privilégio das ciências biológicas, exatas ou da terra. É também necessário nas ciências humanas.
    Todos os trabalhos do meu departamento respeitam os fatos e as metodologias, e não há uma única conclusão científica nossa que não seja fortemente sustentada no argumento metodologico e científico.
    Tenho, inclusive, recusado-me a aceitar trabalhos e aprovar pesquisas de Mestrado e Doutorado justamente por falta desse rigor científico que tu invocas no teu texto.
    Mas não julgue todos os Humanistas pela amostragem que tu tens.
    Não sei como é na tua instituição, mas acho que tu deverias ter contato com pesquisadores mais maduros e assim verias que nas Ciências Humanas seguimos, sim, rigorosamente o Método Científico.

    Obrigado.

    Mario, SSA

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  5. Deixa eu esclarecer a todos umas coisas.
    1. Os "meus interlocutores" são pessoas que mostram ser competentes, inteligentes e éticas. Ademais, segundo me consta, seus trabalhos como pesquisaodres foram apresentados, defendidos e aprovados junto a comissões de especialistas, tal como prevê o Método Ceitífico. Minhas eventuais e constantes discordâncias não demonstram nenhuma desconfiança a respeito da qualidade científica do que eles produzem.
    2. Sou um cientista, a despeito de alguns que consideram que a Ciência da Computação não merece o "status" de Ciência.
    3. Não vejo porque Sociologia ou Psicologia mereceriam a alcunha de "pseudo" ciência. O comentário veio sem um mísero argumento.
    4. Não sabia que isso iria despertar tantas paixões, meu objetivo era apenas fomentar um debate saudável, e refletido.
    5. Infelizmente o ponto central de meu argumento não foi sequer tocado por nenhum dos comentaristas, nem por meus "interlocutores".
    Acho que preciso por uma postagem mais leve.
    Valeu!

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